A investigação da Polícia Federal (PF) que narra a tentativa de golpe de Estado supostamente planejada para manter Jair Bolsonaro (PL) no poder aponta que desde 2019 houve uma estrutura sendo construída para embasar o plano. Entre as estratégias, segundo a PF, estão as acusações, sem provas, sobre a confiabilidade das urnas eletrônicas brasileiras.
O ápice da trama, no entanto, ocorreu cerca de três anos depois, em 15 de dezembro de 2022, quando o grupo chegou a sair para a rua em uma operação clandestina para matar ou sequestrar o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). A data é citada 90 vezes no relatório final da investigação e nomeia seis capítulos do documento, entre os quais um explicando a dinâmica dos fatos ocorridos no dia e outro expondo as razões para que o golpe de Estado não tenha sido consumado.
Naquela quinta-feira, Moraes autorizou a maior operação já lançada até então na investigação sobre os atos antidemocráticos – bloqueios de rodovias e atos em frente a quartéis – após o resultado eleitoral, no qual Bolsonaro saiu derrotado das urnas. O dia começou com 103 mandados de busca e apreensão em oito Estados e no Distrito Federal. A PF estava atrás de empresários e outros suspeitos de organizarem e financiarem as manifestações golpistas, e os acampamentos em frente aos quartéis, que tinham o intuito de criar uma espécie de “comoção pública” pelo golpe, ficaram ameaçados.
No dia anterior, segundo a PF, o então ministro da Defesa, Paulo Sérgio, realizou uma reunião com os comandantes da Marinha, almirante Almir Garnier, do Exército, general Marco Antonio Freire Gomes, e da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior, para apresentar o decreto Operação de Garantia da Lei e da Ordem, que abriria o golpe.
A investigação aponta ainda que uma campanha de ataques contra Freire Gomes foi ordenada pelo general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil, no intuito de pressionar o comandante a aderir ao golpe. Em uma troca de mensagens entre ele e o então militar da reserva, Ailton Gonçalves Moraes Barros, no dia 14 de dezembro, Braga Netto encaminhou um texto que teria recebido de um “FE” (Forças Especiais), dizendo: “Meu amigo, infelizmente tenho que dizer que a culpa pelo que está acontecendo e acontecerá e do Gen Freire Gomes. Omissão e indecisão não cabem a um combatente”. O então ministro da Defesa se referia ao fato do comandante do Exército ser contrário à aventura golpista.
Na manhã do dia 15, segundo o relatório, havia a expectativa de que a resposta de Freire Gomes, que comandava a principal Força para colocar em prática o plano, seria dada ao então presidente – e que seria positiva. Isso foi indicado pela troca de mensagens entre Mário Fernandes, general de brigada apontado como autor do plano “Punhal Verde e Amarelo”, e o general Luiz Eduardo Ramos, ministro da Secretaria-Geral da Presidência de Bolsonaro.
Nesse dia, o comandante do Exército realmente esteve no Palácio do Alvorada, entre 10h45 e meio-dia. Pela manhã, mais cedo, o então presidente também se reuniu com Filipe Martins, ex-assessor de assuntos internacionais e apontado pela investigação como integrante do núcleo que daria respaldo jurídico ao golpe.
Na mesma data em que o golpe começaria a ser consumado, o então presidente, após receber a negativa de Freire Gomes, também recebeu o general Ramos cerca de uma hora depois da saída do comandante, às 13h04. Braga Netto e Anderson Torres, ministro da Justiça, também fizeram reuniões com Bolsonaro na tarde daquela quinta-feira.
Também no dia 15, por volta das 15h e, portanto, após Freire Gomes negar colocar as tropas na rua pelo golpe, Ailton Barros e Braga Netto voltaram a praguejar contra o então comandante do Exército. O então ministro de Bolsonaro afirmou: “Se FG tiver fora mesmo, será devidamente implodido e conhecerá o inferno astral”.
Plano
Uma das frentes golpistas e que também marcou aquele dia 15, envolvia o planejamento operacional da captura de Moraes e a execução do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e do vice Geraldo Alckmin (PSB), chamado “Punhal Verde e Amarelo”. Os “kids pretos”, militares do Comando de Operações Especiais do Exército, chegaram a colocar em ação o plano contra Moraes, que naquela data estava em sessão presencial na Suprema Corte, mas a missão, denominada “Copa 2022”, foi desmobilizada.
Integrantes do grupo se mobilizaram e se posicionaram em pontos estratégicos de Brasília, incluindo a região próxima à casa de Alexandre de Moraes, monitorando sua movimentação em tempo real.
O plano foi cancelado após o adiamento de uma sessão do STF que votaria o orçamento secreto. Poucos minutos após a notícia ser compartilhada no grupo em que os suspeitos planejavam o ataque, os militares se desmobilizaram e iniciaram a “exfiltração”, que, segundo um jargão do Exército, é a técnica de retirar forças de modo sigiloso do território inimigo.
Segundo a investigação, o recuo do plano ocorreu porque dois dos três comandantes das Forças Armadas não embarcaram na trama golpista, o que fez com que Bolsonaro nunca assinasse o decreto de estado de defesa e, consequentemente, o aval para a captura do ministro nunca ocorresse.