Segunda-feira, 23 de dezembro de 2024
Por Edson Bündchen | 26 de março de 2020
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Trava-se no mundo, intenso debate sobre os erros e acertos das atuais políticas de contenção do coronavírus. Para muitos, as medidas de resguardo e quarentena são indispensáveis e estão acima de quaisquer interesses econômicos; Para outros, contudo, também é necessário cuidar para que não haja uma hecatombe na economia.
Confrontar as atuais políticas de controle do Covid-19 definitivamente não é uma tarefa fácil. A questão está encharcada por pânico, histeria, ignorância, incompetência, ambições e disputas políticas, além de ser um tema que a todos nos toca a: a saúde das pessoas!
A delicada engrenagem da economia de mercado encontra-se totalmente integrada, cada vez mais em função de novas tecnologias que fazem da cadeia global de produção quase que um só corpo. O moderno capitalismo consumiu séculos para consolidar toda a atual teia de relacionamentos que hoje está sendo fortemente abalada. Ao se paralisar o movimento das pessoas, com o gradual fechamento de lojas, proibição de eventos e outras medidas restritivas, muitas delas sem a adequada coordenação, ocorre uma brusca redução no fluxo do dinheiro, oxigênio e um dos principais fundamentos da economia de mercado.
Não é exagero supor, caso persista esse crescente estrangulamento das atividades econômicas, que milhares de empresas quebrem, milhões fiquem desempregados e tenhamos um verdadeiro colapso econômico. O JP Morgan, no último dia 18.03, estimou em 14% a queda do PIB americano para o segundo trimestre de 2020. Como o problema é global e de efeito agudo sobre a atividade econômica, poderemos estar diante de algo sem precedentes no mundo moderno, segundo alguns, mais devastador que os pós guerras do século passado.
Não é recomendável descuidar da economia. Peter Drucker escreveu, no já longínquo ano de 1933, que é imprescindível que existam empresas vibrantes em qualquer sociedade. A falta de um motor econômico isola as pessoas e às torna destrutivas. Para Drucker, citando o ambiente europeu que antecedeu a segunda Grande Guerra, a falta de oportunidades econômicas torna a vida social não mais regida pelo razoável, mas por forças cegas e irracionais.
De fato, estamos diante de um dilema, quem sabe o maior dilema do século. Qual o melhor caminho? É possível cuidar da saúde das pessoas sem abalar estruturalmente a economia? Podemos conciliar a inegociável prioridade à vida e garantir emprego, renda e um futuro digno para os trabalhadores? Para propor uma reflexão do dilema sobre a melhor forma de agir frente à tragédia do coronavírus, trago o exemplo do “bonde desgovernado” escrito por Michael Sandel, no extraordinário livro “Justiça”.
“ Suponha que você seja o motorneiro de um bonde desgovernado avançando sobre os trilhos a quase 100 quilômetros por hora. Adiante, você vê cinco operários em pé nos trilhos, com as ferramentas nas mãos. Você tenta parar mas não consegue. Os freios não funcionam. Você se desespera porque sabe que se atropelar os operários, todos eles morrerão. De repente, você nota um desvio à direita. Há um operário naqueles trilhos também, mas apenas um. Você percebe que pode desviar o bonde, matando um único trabalhador e poupando os outros cinco.
O que você deveria fazer?
A diferença do exemplo de Sandel para a atual situação, é que os cinco operários não estão visíveis ao motorneiro e serão mortos por uma engrenagem muito mais complexa de interdependências, culpas e responsabilidades difusas impossíveis de precisar. O tempo dirá se tivemos a sabedoria e o discernimento necessários para as melhores escolhas.
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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