A companhia aérea norte-americana não sabia com quem estava se metendo. Quando decidiu rebaixar, da Premium para a Econômica, aquela passageira loura, o critério de seleção para o downgrade seguiu o padrão. Era uma mulher sozinha – não um homem sozinho. A goiana Ingrid da Silva Guimarães já estava acomodada, com seu cinto de segurança afivelado, na fileira do meio. Uma anônima. Só que não.
Era um voo de Nova York para o Rio, véspera do Dia Internacional da Mulher. A história é tão abusiva que incendiou as redes. Ingrid gravou um desabafo, detalhando a abordagem, a humilhação, as ameaças da companhia, em inglês e em português, a maneira como foi exposta no microfone e apontada como “a passageira que não estava colaborando”. Capricho?
Como estava quebrado um assento na Executiva, Ingrid foi intimada a ceder sua poltrona na Premium. Ela se recusou. A tripulação mandou então as centenas de passageiros se prepararem para desembarcar. “De pé, todos!”. Ingrid ficou constrangida. Percebeu que a American Airlines queria transformá-la em vilã. Não é seu papel favorito – a não ser que seja uma vilã cômica.
Foi um erro estrondoso. Comissários não faziam ideia de que aquela passageira era uma atriz famosa no Brasil. Conhecida por seu humor, suas tiradas irônicas, suas comédias. Uma mulher forte que não faz o gênero boazinha, tímida ou medrosa.
Ingrid tem 52 anos e é mãe de uma adolescente de 15, que viajava no mesmo avião. A atriz resistiu à coação dos tripulantes, mas depois decidiu evitar um escândalo no voo. Um advogado brasileiro, no mesmo avião, disse que ela poderia ser obrigada a desembarcar algemada. Um roteiro trash.
Ingrid viveu dezenas de personagens memoráveis na TV e no cinema. Foi homenageada em Gramado como a atriz mais vista em filmes: 23 milhões de espectadores. A American Airlines deve ter agido muito assim com passageiros menos ilustres, que não têm quase 6 milhões de seguidores no Instagram. A homenagem da companhia aérea às mulheres no dia 8 de março recebeu mais de 100 mil críticas nas redes.
Quando um assento da Executiva quebra, a tripulação tem direito de buscar opção na Premium. Mas, em vez de impor a alguém que troque de classe para resolver o problema de manutenção da companhia, o certo seria convencer. Oferecendo descontos, prêmios ou até o valor de uma passagem inteira a quem cedesse seu assento.
Mas não. Primeiro veio um funcionário e disse a Ingrid: “Bad news, vai ter que mudar para a Econômica”. Um segundo funcionário ameaçou: “Se a senhora não sair, nunca mais viaja de American Airlines”. Ingrid respondeu que havia outras companhias, e não ia sair. Outro pressionou: “Vai sair por bem ou por mal”.
Ingrid não reagiu como algumas celebridades ou parlamentares reagiriam: “Sabem com quem estão falando?” Jamais, me disse Ingrid. Por maior que seja o desgaste, ela acredita que estava ali por um motivo maior. Ajudar anônimos que veem seus processos contra companhias aéreas se arrastarem no Juizado de Pequenas Causas. Não são pequenas, são enormes.
A American Airlines já pediu desculpas a Ingrid. Afirmou que sempre deseja “oferecer uma experiência de vida positiva aos clientes”. Claramente não tem conseguido, porque enfrenta milhares de processos, muitos por danos morais. No Reclame Aqui, é “não recomendada”. Índice zero de respostas e de solução. A Gol é a segunda mais confiável, com 96,7% de reclamações respondidas.
Ficam no ar perguntas. A tripulação mandaria um americano mudar de lugar no voo NY-RJ? Um comissário brasileiro confessou a Ingrid: o critério para downgrade é “mulher viajando sozinha”.
E ainda meteram na mão de Ingrid um papelzinho. Um voucher de US$ 300 para o próximo voo pela companhia. Bad news, American Airlines. Vocês violaram os direitos da mulher errada. (Opinião/O Globo)