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O espião que sabe demais foi afastado da cúpula da agência secreta do Brasil

Diretor da Abin coleciona atritos e polêmicas. (Foto: Reprodução)

Homem de confiança da chefia da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), Paulo Maurício Fortunato é considerado por colegas como um “espião à moda antiga”. Ex-integrante do extinto Serviço Nacional de Informações (SNI), órgão de arapongagem da ditadura, ele galgou posições de destaque em diferentes governos ao se especializar em operações de vigilância. Seguia à risca a missão de monitorar estrangeiros infiltrados no Brasil e ameaças terroristas na América Latina.

Ao longo da carreira, envolveu-se em atritos e em episódios polêmicos. O mais recente deles veio à tona na última sexta-feira, quando foi afastado da cúpula da agência por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Fortunato é alvo de uma investigação da Polícia Federal e suspeito de comandar a área que, sob o governo de Jair Bolsonaro, rastreava a localização de celulares.

A Abin utilizou um sistema secreto com capacidade de monitorar, sem autorização judicial, os passos de até 10 mil pessoas por ano. Para isso, bastava digitar o número de um contato telefônico no programa e acompanhar num mapa a localização registrada a partir da conexão de rede do aparelho. A ferramenta israelense, chamada “First Mile”, era operada, sem qualquer controle formal de acesso, pela equipe de operações da agência de inteligência, comandada à época por Fortunato.

Em silêncio

Intimado a prestar depoimento à PF, o oficial que ocupava o posto de número 3 da Abin ficou em silêncio. Não deu explicações sobre o sistema de espionagem nem sobre os US$ 170 mil em dinheiro vivo apreendidos em sua residência durante a operação policial. A pessoas próximas, porém, se justificou dizendo que nunca operou o programa secreto e que sequer tinha a senha de acesso ao First Mile. Pessoas que trabalharam com Fortunato garantem que ele tinha conhecimento de como funcionava a ferramenta.

O oficial comandou a diretoria de operações da Abin sob a gestão do delegado da PF Alexandre Ramagem, fiel escudeiro do ex-presidente Jair Bolsonaro. Conquistou a confiança da nova direção da agência ao cumprir missões espinhosas. A relação, porém, ficou estremecida após um desentendimento devido ao corte de uma parcela da verba utilizada para pagar informantes. Fortunato era a favor de manter a tradição na Abin. Ramagem foi contra e redirecionou os recursos para a superintendência do Rio de Janeiro, estado pelo qual foi eleito deputado federal. Diante dessa rusga, o então diretor de operações decidiu entregar o cargo e se aposentar.

Operação Satiagraha

Esse plano teve que ser engavetado após receber um convite de Luiz Fernando Corrêa, ex-diretor-geral da PF e atual chefe da Abin, para assumir a secretaria de Planejamento e Gestão da agência. Fortunato topou o desafio e se tornou o número três do órgão, mesmo sob desconfiança do Congresso.

Quando foi destacado para a nova função, o oficial teve o seu nome contestado pelo senador Renan Calheiros (MDB-AL). O parlamentar lembrou que o atual secretário da Abin se envolveu na Operação Satiagraha, anulada pela Justiça após a Abin atuar numa investigação conduzida pela Polícia Federal em 2008. O episódio se tornou um escândalo e foi alvo de uma apuração no Congresso, que convocou Fortunato para prestar esclarecimentos. Sob pressão, o então diretor de contrainteligência do órgão foi afastado. À época, ele negou ter praticado irregularidades e nunca foi processado pelo caso.

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