Terça-feira, 29 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 27 de dezembro de 2020
Cometido no Rio de Janeiro em plena véspera de Natal, o assassinato a facadas da juíza Viviane Arronenzi pelo ex-marido, em frente às três filhas do casal, provocou comoção internacional, com reações que vão desde a empatia em relação à vítima até o repúdio ao autor do crime. “O feminicídio é uma pandemia”, compara uma colega da mulher assassinada.
Vinculada ao Tribunal de Justiça fluminense (assim como Viviane) e diretora de Assistência e Previdência da Amerj (Associação de Magistrados do Rio de Janeiro), além de vice-presidente do IMB (Instituto dos Magistrados do Brasil), a desembargadora Regina Lucia Passos encabeça um movimento que resultou em manifesto com centenas de assinaturas.
Ela defende que a execução penal dos processos contra os assassinos deve ser aprimorada no País: “A lei que criou o feminicídio considera o crime hediondo. Foi um avanço. Desde 2015, consta no Código Penal, mas merece ser aperfeiçoada. Não só na sua penalização, mas, também, no trato e execução dessa pena”.
Segundo ela, o manifesto “é um desabafo” enquanto colegas, mães, irmãs, filhas, enfim, de mulheres. “Estou coletando e unificando as listas, com adesões de todos os lugares, inclusive de fora do Brasil. O caso de Viviane não pode ficar sem resposta”, ressalta.
“Pandemia”
A magistrada alerta que este feminicídio não será o último e compara as ocorrências envolvendo esse tipo de crime a uma pandemia global – só no Brasil, este final de ano já teve ao menos outros cinco casos que receberam destaque na imprensa. “Os relatórios são mundiais, com números crescentes”, continua.
“Entendemos que é uma grave violação aos direitos humanos, sobretudo quando essa pessoa, essa mulher que tem a vida retirada do contexto social, representa um agente da lei”, acrescenta.
Regina recusa, porém, a ideia de que o caso de Viviane seja mais grave que os demais por ter como vítima uma juíza. Ressalva, porém, que ao envolver um agente da lei, o ataque pode passar um recado aos algozes em potencial de que eles podem fazer qualquer coisa. “Se fazem até com uma juíza, imagina o que não serão capazes com uma mulher mais vulnerável?”, indaga.
Ainda segundo a desembargadora, esse tipo de violência atinge todos os tipo de mulher, no entanto é mais frequente entre as vulneráveis. “Não podemos mais ter o sistema de patriarcado dentro de casa”, defende. “Precisamos de um trabalho muito grande de enfrentamento junto à sociedade e ao poder público, afinal a mulher corre riscos no ambiente privado”, prossegue.
“Segunda chance”
Mesmo com medidas restritivas, muitas mulheres são assassinadas por seus ex-companheiros. Isso ocorre porque a proteção é apenas jurídica e muitos homens nem sequer as respeitam. Especialistas explicam que a violência doméstica é complexa, inclusive por envolver sentimentos e projetos de vida e filhos em comum.
Com isso, muitas mulheres que obtêm medidas restritivas acabam aceitando dar uma “segunda chance”, permitindo a reaproximação ao ex-parceiro. E muitas estão em situação de desequilíbrio psicológico.
Fundadora do projeto Renasce, que assiste mulheres vítimas de violência doméstica, Neuza Maria Batista defende o monitoramento dos agressores: “A medida dá uma segurança maior para a mulher, mas, ao mesmo tempo, desperta raiva no homem. Eles ficam ainda mais revoltados e com vontade de se vingar. O homem precisa ser monitorado. As redes de apoio a mulheres precisam estar integradas”.
Neuza ressalta a importância da rede de apoio porque, senão, já no boletim de ocorrência, a mulher desiste de denunciar. “Os depoimentos são cansativos e com perguntas que desacreditam a vítima, dificultando ou mesmo impedindo o fluxo da denúncia”, critica.
“A mulher não acredita no Poder Público e nas redes de apoio. A lei é maravilhosa mas até ser efetiva, a mulher já foi morta. Precisamos de um programa de prevenção efetivo”.