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Governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas tenta se equilibrar entre o agrado ao “padrinho” Bolsonaro e a imagem de moderado, democrata e possível candidato à Presidência em 2026

O ato de domingo (16) em Copacabana reforçou uma convicção sobre Tarcísio: o governador vai até o fim no apoio ao ex-presidente. (Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)

É do ex-governador Leonel Brizola a máxima segundo a qual a política e o poder amam a traição, mas é uma questão de tempo passarem a abominar o traidor. Não parece improvável que o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, tenha isso em mente ao tentar equilibrar-se entre agradar ao seu padrinho, Jair Bolsonaro, e, ao mesmo tempo, apresentar-se como moderado, democrata e, embora negue publicamente, possível candidato à Presidência em 2026. Esse equilíbrio é fruto de um evidente cálculo político que, tão astuto quanto arriscado, o levou ao palanque de Bolsonaro no domingo passado (16) – convocado pelo ex-presidente para defender um projeto de lei de “anistia” a golpistas que, na prática, o livraria da cadeia e o reabilitaria para disputar a Presidência.

Se é verdade que o ato mostrou que o projeto para favorecer Bolsonaro não é exatamente uma causa popular, também é verdade que reforçou uma convicção sobre Tarcísio: o governador vai até o fim no apoio ao ex-presidente. O cálculo tem sua lógica: como Bolsonaro já está inelegível e provavelmente será condenado e muito possivelmente preso, é muito remota a hipótese de ser ele mesmo o candidato em 2026. Seus eleitores, contudo, estarão por aí, e talvez não aceitem votar em quem traiu o capitão, razão pela qual Tarcísio de Freitas se apresenta como leal a Bolsonaro neste momento de aflição, candidatando-se, assim, a ser o ungido do bolsonarismo para disputar a Presidência.

E Tarcísio está fazendo sua parte com denodo, ao defender o indefensável, isto é, o perdão aos golpistas – algo absolutamente inaceitável diante das evidências da tentativa de golpe de Estado, urdida por civis e militares, todos do entorno de Bolsonaro, inconformados com a democracia. Se agrada aos bolsonaristas, essa atitude provavelmente não será bem recebida na grande franja do eleitorado que rejeita Bolsonaro sem necessariamente apoiar o presidente Lula da Silva e o PT.

Para não deixar dúvidas sobre sua disposição de apresentar-se como candidato, Tarcísio imprimiu a seu curto pronunciamento o ânimo de um discurso de campanha. Vestindo-se com a camisa da seleção brasileira de futebol, o tradicional uniforme do bolsonarismo, mas com a versão azul, diferenciando-se dos demais, o governador paulista defendeu a anistia a Bolsonaro e, ao mesmo tempo, listou problemas nacionais como a inflação e a violência. Não hesitou em chancelar a tese de Bolsonaro de que a tentativa de golpe não passou de uma “historinha” inventada e, claro, atacou os petistas, os “caras que assaltaram o Brasil, que assaltaram a Petrobras” e que “voltaram à cena do crime”.

No mesmo fôlego, sugeriu que uma eventual condenação de Bolsonaro se destina a impedir o ex-presidente de voltar ao poder. Para o governador, isso é “medo de perder a eleição”. Com esse tipo de discurso, Tarcísio se aproxima perigosamente das teorias da conspiração que animam a extrema direita e, ao mesmo tempo, coloca em dúvida a lisura das instituições democráticas. Nisso, Tarcísio se iguala aos petistas. Quando Lula da Silva foi preso, em abril de 2018, o líder do MST, João Pedro Stedile, declarou: “Querem prendê-lo para tirá-lo da campanha eleitoral. Por isso, é um golpe. Um golpe do Poder Judiciário contra o povo brasileiro. Prender o Lula é prender o povo”. O espírito, portanto, é o mesmo: desmoralizar a democracia. Não é um bom cartão de visitas para quem pretende se apresentar como um democrata moderado para presidir o Brasil.

Trata-se de uma operação de alto risco de Tarcísio de Freitas. O governador certamente sabe que todos os que se insinuaram como herdeiros dos votos de Bolsonaro foram sabotados pela máquina bolsonarista de destruição de reputações. Logo, se quer mesmo liderar uma espécie de “bolsonarismo sem Bolsonaro”, Tarcísio parece ter entendido que precisa rezar o credo de uma seita cujo evangelho requer fidelidade absoluta ao ex-presidente, ao mesmo tempo em que, para não afugentar eleitores de centro, terá de dar demonstrações de respeito à democracia. Por onde quer que se olhe, trata-se de uma missão quase impossível. (Opinião/Estadão Conteúdo)

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