O governo federal admite rever a norma de monitoramento amplo de ONGs (organizações não governamentais) que havia provocado forte reação do terceiro setor e de organismos internacionais. As ONGs interpretam a medida do governo Bolsonaro como inconstitucional e uma clara ingerência política, além de ser inevitável a judicialização, com questionamentos no STF (Supremo Tribunal Federal).
Coube à deputada federal Bia Kicis (PSL-DF), aliada do Palácio do Planalto, sugerir as mudanças ao texto da Medida Provisória 870, que ainda será votada no Congresso. Kicis apresentou quatro emendas modificativas e aditivas ao texto original do governo, sendo a principal delas a alteração do artigo 5 .
De acordo com o texto original, que define a estrutura do governo e atribuições de ministérios, caberia à Secretaria de Governo “supervisionar, coordenar, monitorar e acompanhar as atividades e as ações dos organismos internacionais e das organizações não governamentais no território nacional”.
Na modificação sugerida pela aliada de Bolsonaro, a Secretaria de Governo pode apenas “acompanhar as ações, os resultados e verificar o cumprimento da legislação aplicável às organizações internacionais e às organizações da sociedade civil” no País.
“Estava muito alargada a competência [do ministério]”, justificou a deputada. Ela afirma que propôs a alteração após conversas com o ministro Carlos Alberto Santos Cruz. A interferência no trabalho das ONGs, disse Kicis, nunca foi a intenção do governo. “O general Santos Cruz concordou, disse que essa não era a intenção”, explicou a deputada.
Na emenda, Kicis argumenta ser “necessário ajuste no texto das competências da Secretaria de Governo da Presidência da República, de modo a esclarecer que não se pretende interferir no funcionamento de organizações internacionais e da sociedade civil com atuação no território nacional”.
Várias organizações já tinham solicitado encontros com o ministro Santos Cruz e alertado sobre as consequências da medida, e sobre a possibilidade de ferir a autonomia de ONGs, em especial as que nem sequer contam com recursos públicos da União para executar seus projetos no Brasil.
O presidente do CNDH (Conselho Nacional de Direitos Humanos), Leonardo Pinho, foi um dos que levaram ao ministro as preocupações das entidades. “Acredito que viram [o governo] sim fragilidades depois dos apontamentos de tantos setores”, disse. Segundo ele, foi forte a pressão de ONGs contra a medida do governo Bolsonaro. Mas o jogo mesmo, acrescenta, “será no Congresso, nas disputas das emendas”. Pinho espera que o Planalto dê respaldo à emenda de Kicis. A deputada crê em aprovação “com facilidade”.
O partido Rede Sustentabilidade ajuizou ontem no STF ADI (ação de inconstitucionalidade contra a medida). “Se por um lado a Constituição Federal garante a liberdade associativa e assegura a essas entidades a não interferência estatal em seu funcionamento, de outro a MP combatida visa justamente autorizar o controle e verdadeira mordaça das associações”, diz o texto protocolado no Supremo. Para Kicis, a emenda, se aprovada, anula o debate no Supremo.