O governo federal e o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, finalizam uma proposta para regulamentar a negociação de acordos de leniência, que funcionam como delações premiadas de empresas. A minuta do projeto, à qual o jornal O Globo teve acesso, retira o Ministério Público Federal (MPF) das negociações e concentra poderes na Controladoria-Geral da União (CGU) e na Advocacia-Geral da União (AGU), órgãos subordinados ao presidente Jair Bolsonaro.
A proposta abre brecha para esvaziar os poderes do MPF em investigações contra empresas. Os grandes acordos de leniência da Operação Lava-Jato, com companhias como o Grupo J&F e a Odebrecht, foram conduzidos inicialmente por procuradores do Ministério Público, para só depois terem a adesão de órgãos como a CGU. Na longa negociação com o MPF, a J&F ofereceu inicialmente R$ 700 milhões, mas, no final, aceitou pagar R$ 10,3 bilhões de ressarcimento
Pelas novas regras propostas, o MPF não conduzirá mais as negociações dos acordos de leniência. “Visando a incrementar-se a segurança jurídica e o trabalho integrado e coordenado das instituições, a Controladoria-Geral da União e a Advocacia-Geral da União conduzirão a negociação e a celebração dos acordos de leniência nos termos da lei nº 12.846, de 2013”, diz o texto.
Isso significa que procuradores responsáveis por investigar os crimes de uma empresa podem ficar fora da análise de quais fatos criminosos essa empresa está confessando no seu acordo.
De acordo com a minuta, qualquer investigação do MPF ou da Polícia Federal que constate o envolvimento de uma empresa em fatos ilícitos deve ser enviada para conhecimento da CGU e da AGU. O texto estipula uma exceção a esse padrão: que o compartilhamento não seja feito caso coloque as investigações em risco. Ainda assim, na avaliação de investigadores, o novo modelo abrirá brecha para que o governo tenha informações de diversas investigações sigilosas em andamento pelo país.
A iniciativa ocorre em meio a uma crise dentro do MPF, deflagrada após iniciativas do procurador-geral da República, Augusto Aras, contra a Lava-Jato. O novo modelo precisa do aval de Aras, que ainda está analisando o assunto. A atual minuta é diferente da proposta inicialmente defendida por ele, que previa também a participação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), Banco Central e Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
A minuta é discutida entre CGU, AGU, Ministério da Justiça, STF, Procuradoria-Geral da República (PGR) e Tribunal de Contas da União (TCU). O assunto já está em estágio adiantado. Trata-se de um “acordo de cooperação técnica” que seria assinado por esses órgãos para garantir que todos sigam os termos estabelecidos. Não é necessário submeter o projeto ao Congresso Nacional.
A proposta cria um “balcão único” na negociação de acordos de leniência. Hoje, uma empresa precisa negociar com diversas instituições diferentes e fica vulnerável a sanções caso não consiga fechar acordo com todas.
Por isso, Toffoli e Aras concordaram que seria necessário desburocratizar o sistema e permitir que uma pessoa jurídica resolva todas suas pendências com apenas um acordo, o que, segundo este entendimento, proporcionaria maior segurança jurídica.
No acordo de leniência, a empresa precisa confessar os crimes cometidos, fornecer provas a respeito deles e se comprometer a ressarcir os cofres públicos. Em troca, fica isenta de punições, como multas ou proibição de fechar contratos com órgãos públicos.
Outro trecho diz que CGU e AGU devem tentar coordenar com o MPF e a PF a negociação de delações premiadas das pessoas físicas envolvidas nos ilícitos, para que sejam feitas em conjunto, mas não explica como poderia haver intercâmbio de informações sobre os diferentes acordos. A “quarta ação operacional” afirma que as provas obtidas serão compartilhadas com o MPF e os outros órgãos competentes somente depois da assinatura do acordo de leniência com a CGU e AGU.