Um conjunto de clichês define o que seja a esquerda e a direita, como costumamos entender esses conceitos. Uma boa notícia: há cada vez mais pessoas qualificadas intelectualmente que consideram insuficientes essas categorias, para explicar os fenômenos políticos e econômicos, ou para propôr soluções aos problemas que afetam as comunidades humanas.
Mesmo assim, a rigor, ninguém abandona a classificação binária, às vezes substituídas por outras expressões, como conservadores (direita) e progressistas (esquerda): elas ainda têm alguma serventia para argumentar e resumir as polêmicas que predominam no debate atual.
A legião dos polarizados – lulopetistas e bolsonaristas no Brasil – carimba na testa dos respectivos adversários defeitos, maldades e contradições, como se fossem todos iguais. Assim, os progressistas são aquelas pessoas que querem acabar com a liberdade de expressão, aumentar os impostos e afagar os criminosos, ignorando o sofrimento das vítimas. E conservadores querem privatizar as escolas, têm ojeriza a programas sociais e querem que o combate ao crime seja feito através da repressão policial.
(Esse é um resumo da concepção de cada uma das partes, em relação à outra, sua oponente. Para cada tema ou assunto pode-se encontrar os estereótipos uma tribo atribui à outra – aborto, vacina, gays e trans, educação sexual nas escolas, capitalismo, socialismo).
Pois é na consideração das tribos que reside o maior equívoco. Nem todo lulopetista é o que parece, ou pelo menos tudo que parece. O mesmo se dá com os bolsonaristas. Eles raramente tem uma posição fechada com o corpo de ideias que caracteriza o agrupamento. Você se surpreenderá com posições e temas que aparentam diferenças invencíveis, e que, entretanto, são abraçadas pelos dois campos.
Somos uma miscelânea de “inserts” e ensinamentos, de situações vividas e experimentadas, que fazem de cada um de nós indivíduos singulares. Não somos cachorrinhos amestrados para tudo o que nos oferecem e apresentam. Mais, ao longo da vida mudamos de opinião e pensamento, porque somos submetidos a novas influências, experiências e percepções.
Conheço um ex-deputado que foi defensor de presos políticos na ditadura militar e virou bolsonarista. Conheço dezenas de pessoas que nunca se interessaram por política e de repente estavam em acampamentos na frente dos quartéis. Conheço conservadores que sabem quem é Mises Hayek e John Smith, mas não votaram e não gostam de Bolsonaro.
O diabo reside nas extremidades, nos cultores ideológicos, nos personagens que exalam certezas, que ignoram fatos e evidências se for para confirmar as suas crenças, que aceitam de plano todas as (muitas) bobagens que têm origem nos dois campos.
Se olhar de perto, com um certo grau de compreensão, veremos que existe uma margem razoável para ao menos lançar uma dúvida e abalar as crenças dos adversários políticos. Para tanto, precisamos estar com o espírito aberto – flexionar uma vírgula, um ponto , uma sentença inteira, se nos convencerem com bons argumentos e boas razões. (titoguarniere@terra.com.br)