Se a procrastinação antes da pandemia era algo pontual, a alteração da rotina durante a quarentena surgiu como terreno fértil para adiar tudo o que é desconfortável para depois. “Temos a falsa sensação de que estamos sempre no controle, mas o que os estudos mostram é que fatores externos e internos influenciam de forma inconsciente nossa tomada de decisão. A procrastinação é resultado de uma desconexão entre nossas intenções e aquilo que efetivamente realizamos”, explica a neurocientista Thaís Gameiro.
Ela esclarece que, em geral, procrastinamos porque o cérebro tem dificuldade de avaliar as consequências a longo prazo e é mais sensível aos ganhos ou desfechos que ocorrem de forma imediata. “Quando precisamos enxergar benefícios que só ocorrem no futuro, ficamos vulneráveis a perder o foco do objetivo principal por conta de distrações que muitas vezes nos afastam da meta desejada.”
A falta de interesse, motivação ou perfeccionismo estão entre os gatilhos que mais afetam aqueles que têm o costume de deixar tudo para depois. Bom, quase tudo. “Geralmente a procrastinação tem a ver com aquelas tarefas mais negligenciadas, a ponto de prejudicar o seu futuro, de prejudicar a forma como você vê você mesma”, conta a psicóloga Denise Figueiredo. Adiar tarefas de maneira racional ou ainda abraçar os cinco minutinhos a mais de preguiça pós almoço é muito diferente da procrastinação.
“Se você olha suas atividades e percebe que precisa de três horas para terminá-las, mas só tem 30 minutos disponíveis e decide deixar para o dia seguinte, isso não é procrastinação é planejamento. Agora, se no dia programado para fazer a tarefa você começar a dar desculpas para não fazê-las, aí sim você começou a procrastinar”, informa Thaís. As “desculpas” até são verdadeiras, mas elas só aparecem depois que já decidimos não fazer a tarefa.
Segundo as especialistas, postergar atividades é um hábito, que pode ser treinado – e incentivado – por cada um. “É muito difícil sair dessa zona de conforto”, diz a psicóloga. De maneira generalizada, aqui encaixam-se dois perfis: os relaxados e os ansiosos. Os primeiros seguem o modelo por não saberem fazer as tarefas de outra forma, enquanto o segundo se pressiona a ponto de não conseguir fazê-las até o último minuto. “A procrastinação em si não tem um julgamento moral. O quanto isso te impacta positiva ou negativamente é que vai ser um problema”, diz Thaís.
Essas tarefas podem ser tanto laborais e responsáveis quanto de lazer. Aquelas mensagens no WhatsApp que deixamos para responder depois? Pois é. Segundo a psicóloga, a cobrança precisa acontecer para ser parada. “Tudo o que fazemos pensando ‘amanhã eu começo’, passa uma imagem de que não estamos prontos, e isso vai gerando um lugar de não felicidade em relação a essa questão”, ensina.
Claro que esse lugar da não felicidade, somado ao isolamento social, só piora a situação. O próprio trabalho, realizado essencialmente no escritório antes da pandemia, hoje pode ser feito após o horário de serviço ou mesmo nos fins de semanas. “Não vou ter nada para fazer mesmo” é um pensamento que ignora imprevistos e favorece a insegurança e a ansiedade.
Aliás, ansiedade é quase sinônimo de quarentena. Cansamos nossa mente com o excesso de informações e horas na frente das telas, mas não o nosso corpo. E o cérebro lê essas pistas de cansaço. Quantas vezes, nos últimos meses, não falamos a frase “quando a pandemia acabar….” postergando atividades e sonhos? Em momentos assim, o cansaço e a procrastinação andam juntos. A única coisa que se pode fazer é quebrar o padrão.
Essa ansiedade afetou a estudante Mariana Prado, de 17 anos. Antes da pandemia, ela ficava das 6h às 21h fora de casa, entre estudos, deslocamentos e outras atividades. “No começo do ano, eu planejava entrar na faculdade no ano que vem, mas com a pandemia, não me sinto preparada – tanto com a questão de estudo quanto psicologicamente”, diz. “Me acostumei a ter a produtividade baseada em estar fora de casa e trabalhar isso dentro de mim é algo muito novo, com o que estou aprendendo ainda a lidar.”