Quem lê, sabe o caminho. Com esse estimulante lema, Porto Alegre sedia, de 27 de outubro a 15 de novembro deste ano, a 69ª edição da Feira do Livro, um dos maiores eventos culturais do País e que foi declarado, em 2010, Patrimônio Imaterial da capital gaúcha. O momento também é oportuno para refletir sobre a leitura no Brasil e quão distante ainda estamos de um ideal sonhado, no qual, verdadeiramente, nosso zelo e apreço pelos livros se transforme num hábito da maioria da população. Contudo, tristemente, não é assim. Segundo a 5ª edição da pesquisa “Retratos da Leitura no Brasil”, os resultados são ainda sofríveis, embora o número total daqueles que se dizem leitores chegue quase a 110 milhões de brasileiros. A média entre os pesquisados não chega a 5 livros por ano, mas apenas a 2,55 livros lidos por inteiro.
Ainda de acordo com a pesquisa, o gosto pela leitura é a principal motivação para se ler um livro, compondo também o conjunto de razões o crescimento pessoal, a distração, a atualização cultural e conhecimento geral, desenvolvimento de alguma competência, motivos religiosos e exigência escolar ou do trabalho. Os textos vinculados ao estudo e ao trabalho são aqueles que consomem mais tempo dos leitores, havendo diversas outras formas concorrenciais de leitura, além dos livros. A bíblia aparece como a principal leitura, seguida de contos, romances, livros didáticos, de poesia e infantis. Na sequência, com menor preferência, estão os livros de história, economia, política, filosofia e ciências sociais, além de uma variada gama de assuntos que vão da culinária até o esoterismo/ocultismo.
Diante dessa realidade plural, emerge um outro aspecto que precisa ser considerado que é a opção pela ignorância daqueles que voluntariamente, e não por falta de opções ou condições, renunciam à leitura e à busca de conhecimento, praticando a ignorância ativa do não querer saber. Essa é uma faceta geralmente não tratada, mas importante para a compreensão dos baixos índices de leitura aqui e em qualquer lugar. Prudente destacar que a ignorância não se constitui, obviamente, em um problema contemporâneo, mas adquiriu ou reforçou, com a modernidade, nuances de esquecimento seletivo, negação, incerteza, preconceitos, credulidade e mal-entendidos que trouxeram mais complexidade para quem busca compreender o fenômeno. Se antes era mais fácil discernir um sábio de um tolo, hoje, com o charlatanismo intelectual agindo em larga escala, a retórica rasa e a fragmentação debilitante dos saberes da era do “TikTok”, essa tarefa ficou mais penosa.
Nesse contexto, o que poderia levar alguém, diante das irrefutáveis evidências dos benefícios da leitura, optar pela ignorância deliberada e de maneira muitas vezes resoluta? No passado, houve quem denunciasse a ignorância, como os iluministas, para quem a ignorância configurava-se no suporte para o despotismo, o fanatismo e a superstição, agregando um sentido moral e político ao problema. Mark Twain, conferiu cores sociológicas e mais indulgentes à ignorância, afirmando que “somos todos ignorantes, só que sobre coisas diferentes”. Antes de se constituir em consolo, o aforismo do romancista e humorista americano poderia servir de estímulo diante da vastidão de possibilidades que temos, embora saibamos que há aqueles que preferem agir como avestruzes.
Leituras que são computadas como horas lidas, mas que pouco acrescentam ao repertório intelectual do leitor, quando não o tornam mais sectário em vários aspectos, também compõem o cenário literário. Ler, entretanto, apesar das imensas contradições que compõem a vontade humana e dos apelos atemporais à ignorância, ainda é um antídoto seguro para tempos obscuros e incertos como este que vivemos.