A decretação de falência da Itapemirim Transportes Aéreos (ITA) pela 1.ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo não surpreendeu absolutamente ninguém. Afinal, a empresa já estava inoperante desde 17 de dezembro de 2020, quando, às vésperas do Natal, anunciou de supetão – aí sim, para perplexidade de milhares de passageiros, muitos deles em áreas de embarque de aeroportos – a suspensão “temporária” de seus voos, que jamais conseguiu retomar.
O que mais impressiona nesse caso é que nada disso suscitou uma discussão séria sobre eventuais mudanças nas normas e nos protocolos para garantir a segurança e os direitos de consumidores, funcionários e demais agentes do setor. Houve grande celeuma nas semanas seguintes à suspensão abrupta da operação, pouco mais de cinco meses depois do voo inaugural, mas, ao que se saiba, não foi tomada nenhuma providência para aperfeiçoar o regramento para operação em uma área que requer expertise.
A participação fugaz da ITA no mercado de transporte aéreo é intrigante em todos os aspectos. Os investidores, do Grupo Itapemirim, tentavam consumar a recuperação judicial de seu principal negócio, a Viação Itapemirim, que mais tarde também faliu; o setor aéreo operava então em meio à crise provocada pela pandemia de covid; três anos antes o grupo anunciara com estardalhaço a compra da Passaredo, que foi desfeita em seguida pela companhia regional, sob a alegação de que a Itapemirim não havia cumprido os termos acordados.
A entrada de uma nova companhia de aviação em plena pandemia foi muito incentivada e comemorada pelo governo federal em 2020. Em outubro, em uma das suas tradicionais lives, o então presidente Jair Bolsonaro gravou um vídeo no qual recebia de seu ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, atual governador de São Paulo, a miniatura de um “busão da Itapemirim”. Os dois iniciaram, então, um diálogo farto em elogios à nova companhia aérea que, àquela altura, já figurava no topo das listas de reclamações no Procon. Viraram meme na internet dois meses depois.
Ao contrário do transporte urbano de passageiros, geralmente feito pelo sistema de concessão do poder público a empresas privadas, o transporte aéreo segue o modelo de autorização. Não há uma disputa pública, mas o postulante à operação do serviço deve cumprir uma série de exigências impostas pelo órgão regulador, no caso a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). Muito se questionou, na época, como a Anac havia autorizado o funcionamento de uma empresa sem qualquer experiência no ramo e controlada por um grupo já em dificuldades. A agência garantiu ter cumprido todas as exigências legais.
Não se discute que, para fomentar novos empreendimentos, o País deve incentivar a livre concorrência e facilitar trâmites burocráticos, mas é evidente que isso deve ser feito de forma criteriosa, capaz de inibir o caos provocado por aventureiros. O setor aéreo está repleto de exemplos de companhias extintas, como Transbrasil, Varig, Vasp e Avianca. Mas um caso tão peculiar como o da ITA deveria ser usado para aprimorar regras que, ao que tudo indica, deixam a desejar.