A medicina avançou muito nas últimas décadas no diagnóstico e no tratamento das doenças cardiovasculares. Mas isso não diminuiu as preocupações da diretora nacional de cardiologia da Rede D’Or, Olga Ferreira de Souza. Para ela, ainda falta conscientização e prevenção dos fatores de risco, responsáveis, por exemplo, pelos 50 milhões de brasileiros hipertensos.
A cardiologista está em alerta pelo aumento do número de infartos em mulheres, inclusive entre mulheres jovens, o que já exigiu um posicionamento da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Segundo Souza, a genética é determinante, mas é o estilo de vida que vai definir se o problema cardíaco chegará aos 40 ou aos 70 anos. Saiba mais sobre a saúde do coração a seguir:
1. É possível cuidar do coração mesmo depois de certa idade e reverter estragos? Sempre dá. O importante é começar. A gente consegue conter certos processos no organismo, como aterosclerose, obesidade, diabetes. Então, no momento que qualquer pessoa perceber que precisa mudar os seus hábitos de vida para evitar doenças futuras, é super benéfico. Algumas pessoas começam isso mais tardiamente. Então, já tem algum grau de doença. Em algumas situações, a gente consegue estabilizar e evitar a progressão. E aí, com isso, você evita um infarto, uma doença coronariana, uma arritmia, uma hipertensão. Então, sempre é tempo.
2. Qual é o momento ideal? Atualmente, a gente tem uma expectativa de vida muito mais alta. Então, o ideal é que a pessoa comece a cuidar o mais cedo possível. Quem tem história familiar de infarto, de hipertensão, de diabetes, de colesterol alto, deve, assim que possível, com 15, 18 anos, já medir o colesterol e verificar a sua pressão arterial. Tardiamente, seria quando já tem alguma doença instalada, e não uma questão de idade.
3. O que pesa mais, o estilo de vida ou a hereditariedade? É possível superar a genética? A hereditariedade tem um fator primordial no desenvolvimento das doenças cardiovasculares. A genética é o fator principal. Mas se você tem uma carga genética, paterna ou materna, e desde cedo tem hábitos saudáveis, faz atividade física, controla o colesterol, está dentro do peso, se alimenta adequadamente, você consegue retardar e até evitar que aquele tipo de doença genética se manifeste precocemente. Então, é evitar que um paciente tenha um infarto aos 40 anos, ou, se for ter, será numa fase bem adulta, com 70, 80 anos. Você consegue mudar a história natural da pessoa com o estilo de vida.
4. Um infarto aos 40 é mais mortal do que aos 70 anos? O infarto é grave em qualquer idade, seja no jovem, no adulto, no idoso, é um evento catastrófico, e a maioria das pessoas não consegue nem ter o primeiro atendimento médico, morre antes. Nós só tratamos metade das pessoas que chega com infarto. O restante acaba morrendo antes. Daí a nossa preocupação com o número cada vez crescente da mortalidade por doenças cardiovasculares. São mais de 1 .100 mortes por dia, cerca de 46 por hora, uma morte a cada 90 segundos. As doenças cardiovasculares causam o dobro de morte daquelas por câncer, todas as causas de acidentes e violências, três vezes as doenças respiratórias e as infecções. Então, realmente é preocupante, porque apesar de todos os avanços que a gente tem vivido na medicina, na cardiologia, no diagnóstico e no tratamento, a gente não é efetivo em medidas preventivas para reduzir as doenças cardiovasculares. Nós temos bons tratamentos, mas falta investir em prevenção.
5. Qual a sua maior preocupação em relação aos problemas cardiovasculares? Para mim, hipertensão. A hipertensão arterial atualmente no Brasil é extremamente prevalente. Dá para controlar com remédio, com estilo de vida, e, mais importante, com a redução do consumo de sal. Tem dados que nos preocupam bastante: a Organização Mundial de Saúde recomenda uma ingesta em torno de 5 gramas de sal por dia, 2 gramas de sódio. Para você ter ideia, a média do brasileiro é de 10 a 12 gramas de sal. E esse é um dos fatores principais para o desenvolvimento da hipertensão arterial. Não só o sal que a gente adiciona à mesa, ao alimento, tempera, mas o sal dos alimentos ultraprocessados, que é o dia a dia das grandes cidades. A maioria dos alimentos ultraprocessados tem um alto teor de sódio. O macarrão instantâneo, que é uma coisa simples, tem 1,6 gramas de sódio. É muita coisa. Então, acho importante, ações do nosso governo, das nossas sociedades, em exigir a redução do teor de sódio nesses alimentos.