A ala militar do governo federal promoveu uma espécie de intervenção branca no Itamaraty, tutelando os movimentos do chanceler Ernesto Araújo sobre temas considerados sensíveis, como a crise na Venezuela. O chanceler, que nunca comandou um posto no exterior, se indispôs com os militares logo na largada do governo.
No dia 4 de janeiro, ele participou de uma reunião no Peru do Grupo de Lima, que reúne 14 países para discutir a situação política venezuelana. O grupo, que considera ilegítima a reeleição do presidente Nicolás Maduro no ano passado, se encontrou para determinar novas medidas contra o governo em Caracas.
Quando o documento foi divulgado, militares ligados à área de inteligência ficaram de cabelo em pé com o item “D” das providências anunciadas: “Suspender a cooperação militar com o regime de Nicolás Maduro”, dizia o texto. Só que Araújo não consultou a área militar sobre isso. E é justamente a cooperação com as Forças Armadas venezuelanas que mantém o Brasil minimamente informado sobre os passos do governo venezuelano.
Isso ocorre tanto devido ao “backchannel”, informações de bastidores trocadas por oficiais, como com a observação direta da área de inteligência. Como diz um experiente negociador da região, o Brasil sabe mais sobre Caracas por meio dos próprios militares chavistas do que por canais diplomáticos regulares.
Isso aconteceu enquanto uma outra crise, essa pública, transcorria. Também na primeira semana do governo, o presidente Jair Bolsonaro e o chanceler defenderam a instalação de uma base americana no Brasil. O general da reserva Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, buscou reduzir o fato a um mal-entendido por parte da mídia.
No caso da Venezuela, alguns oficiais sugeriram que Araújo fosse demitido. Outros ponderaram sobre o dano de imagem que tal queda geraria e sugeriram que ele consultasse mais os ministros egressos da área militar.
Pelo menos dois generais com assento importante no governo conversam regularmente com o chanceler. Um diplomata alinhado à nova chefia diz que isso é normal, dada a sobreposição de responsabilidades entre o Itamaraty e militares.
Já outro embaixador afirma que não há comunicado sensível do chanceler que não tenha o teor discutido com a área de Defesa. Seja qual for a gradação, o efeito da tutela foi visto ao longo do mês passado. Araújo reduziu a sua visibilidade no caso da Venezuela a poucas declarações e a sete das 22 postagens que fez no Twitter em janeiro.
Na mão inversa, o general Hamilton Mourão, vice-presidente da República, falou em diversas ocasiões sobre a crise na Venezuela. Em uma delas indicou qual o caminho que as Forças Armadas venezuelanas deveriam tomar: oferecer uma saída a Maduro
Mourão também antecipou movimentos que Araújo confirmou em entrevista coletiva na sexta (1º), como atender o pedido do líder oposicionista Juan Guaidó para o envio de ajuda à Venezuela e promover sanções econômicas contra membros do governo de Maduro.