Domingo, 27 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 9 de novembro de 2020
Enquanto o planeta acompanha a revolta de Donald Trump com a derrota projetada na corrida presidencial contra o oponente democrata Joe Biden, a primeira-dama Melania pratica o que mais fez durante os últimos quatro anos na Casa Branca: silêncio.
Se o legado de Donald Trump para a Casa Branca e a democracia dos EUA é objeto de polarização e controvérsia, o de Melania no papel que já foi ocupado por Michelle Obama e Jacqueline Kennedy Onassis ainda é uma incógnita.
“Melania foi uma primeira-dama extremamente fechada”, diz à BBC News Brasil Kate Andersen Brower, autora do best-seller sobre primeiras-damas contemporâneas “First Women” (Primeiras Mulheres, em tradução livre), que discute o papel de 10 primeiras-damas da história recente americana.
“Ela é uma pessoa cifrada, mesmo agora no final do mandato. E parece que é assim que ela quer ser.”
Para a escritora Betty Boyd Caroli, autora de “First Ladies – The ever-changing role” (ou Primeiras damas – a função em constante mudança), Melania esteve “amplamente ausente do trabalho de primeira-dama”.
“Nas categorias típicas que os historiadores usam para classificar as primeiras-damas, como valor para o país, integridade, liderança, inteligência, realizações, coragem, imagem pública, valor para o presidente, eu prevejo que ela se classifique no último lugar da lista”, diz Caroli à BBC News Brasil.
Para muitos, no entanto, apesar de extremamente reservada, Melania teria sido um importante contraponto à beligerância do marido nos últimos quatro anos em Washington.
Contradições
É difícil descrever a temporada de Melania Trump na Casa Branca sem notar as contradições que ela expôs ao ocupar o cargo.
Nascida na Eslovênia em abril de 1970, Melania trabalhava como modelo quando se mudou para Nova York, em 1996. Em 2001, ganhou residência permanente nos EUA. Em 2005, casou-se com Donald Trump e, no ano seguinte, se tornou uma cidadã norte-americana.
Sua ascensão trouxe uma série de ineditismos ao posto.
Melania foi a primeira a ter nascido fora dos EUA desde Louisa Adams (esposa do presidente Quincy Adams, que governou há quase 200 anos). Também foi a única no cargo a não ter o inglês como língua materna, a primeira a ter posado nua em uma revista (ela apareceu em uma cama junto a outra modelo na extinta revista francesa Max, em 1996) e a primeira terceira esposa de um presidente em exercício.
Se o passado poderia sugerir uma personalidade questionadora de valores tradicionais ou mesmo progressista, os últimos 4 anos mostraram Melania ao lado de um dos presidentes mais conservadores da história recente americana.
Campanha antibullying
A única empreitada política de Melania no cargo foi a campanha BeBest, criada em 2018 para atuar contra o uso de opioides entre crianças e o bullying em redes sociais.
No site da Casa Branca, a empreitada diz buscar “interações na internet que sejam edificantes, positivas e respeitosas.”
“Posso dizer que sou a pessoa que mais sofre bullying no mundo”, disse Melania em uma rara entrevista à rede ABC em 2018.
Mas o desconforto não parece se estender aos atos do marido.
Trump já disse que a ativista adolescente Greta Thunberg, diagnosticada com síndrome de Asperger, uma forma de autismo, deveria “trabalhar seu problema de controle de raiva”.
Durante toda a campanha presidencial, ele usou suas redes sociais para chamar Joe Biden de “Joe sonolento” — Biden fará 78 anos em novembro.
Há quatro anos, ele foi ainda mais duro com a oponente Hillary Clinton na primeira corrida presidencial, a quem chamava constantemente de “trapaceira”.
“A campanha (BeBest) nunca realmente saiu do papel, com equipes competentes e projetos visíveis”, avalia a pesquisadora Betty Boyd Caroli.
Jaqueta
Mas a maior contradição da biografia de Melania Trump aconteceu em junho de 2018, quando usou uma jaqueta verde oliva da marca espanhola Zara, que custava US$ 39, com os dizeres “Eu realmente não me importo, e você?”.
A roupa fora escolhida para uma visita a abrigos no Texas onde eram mantidas crianças imigrantes que foram separadas de seus pais enquanto tentavam cruzar a fronteira dos Estados Unidos.
A atitude ganhou repercussão negativa global e levantou a questão se a escolha da peça havia sido proposital. A Anistia Internacional nos EUA se disse à época “chocada com a gritante falta de empatia” da primeira-dama.
“O casaco que ela usou na fronteira foi o seu momento mais polêmico e ainda é muito confuso. Por que ela pisaria em sua mensagem de empatia com uma declaração mesquinha como essa?”, pergunta Kate Andersen Brower em entrevista à BBC News Brasil.
As explicações da primeira-dama foram conflitantes.
“Eu preferiria que (a mídia) se concentrasse no que eu faço e nas minhas iniciativas, em vez do que eu visto”, disse Melania à rede ABC.