O novo ministro da Saúde, Alexandre Padilha, tomou posse no dia 10 de março com um discurso repleto de promessas ambiciosas. Disse que sua “obsessão” será reduzir o tempo de espera para quem precisa de atendimento especializado no Sistema Único de Saúde (SUS), entre consultas e procedimentos de média e alta complexidades. Defendeu a reforma da tabela de procedimentos do SUS, “enterrando” a atual, marcada pela defasagem. Também prometeu impulsionar um movimento nacional pela vacinação e criar organismos de Estado que ajudem o País a se preparar para as próximas pandemias.
Gestores e políticas públicas ambiciosos são louváveis, sobretudo num terreno fértil em negligência do Estado e agonia de cidadãos. Mas, pelo tom adotado no discurso de Padilha, convém separar o que é o onírico mundo ideal mirado pelos petistas e a realidade concreta do SUS. Não é improvável que o País esteja diante de mais um caso em que o tamanho da ambição de um ministro é proporcional às aspirações eleitorais – dele, do PT e do presidente Lula da Silva. Seria parte do jogo, não fosse uma impossibilidade histórica: a complexidade dos problemas em questão é incompatível com a ansiedade de dar ao Ministério uma “marca” capaz de garantir-lhes dividendos em 2026.
A cartada lulopetista inverte a lógica do que deveriam ser boas políticas públicas. Desenhados e implementados para ganhar escala e eficácia, e com o objetivo de transformar uma realidade que impõe sacrifícios à população, programas bem-sucedidos costumam gerar ganhos eleitorais a governos responsáveis. Mas, na lógica de gestões populistas, o dividendo eleitoral vem antes do benefício trazido a eleitores. Foi a retórica demagógica que envolveu a criação de uma das marcas do lulopetismo na Saúde, o Programa Mais Médicos. Criado na primeira gestão de Alexandre Padilha, tornou-se um exemplo dos efeitos do improviso e da pressa alçados à categoria de política de governo em áreas essenciais.
Antes de resolver um problema da saúde pública – a carência de médicos em regiões periféricas –, o Mais Médicos tinha outros objetivos: evitar o derretimento da presidente Dilma Rousseff, na esteira da crise de 2013, sob os efeitos das manifestações populares daquele ano; ajudar a candidatura de Alexandre Padilha ao governo paulista em 2014; e financiar a ditadura de Cuba, por meio da contratação de milhares de médicos cubanos. Movido pela ansiedade, o governo improvisou e atropelou as entidades representativas dos médicos. Foram necessários alguns anos e muitas peripécias para a correção de rumos do programa.
O risco agora é de que vejamos mais um remendo emergencial para salvar um governo em apuros. Há problemas reais que dependem de gestão, e não de bravatas, como é o caso das vacinas – na gestão de Nísia Trindade, o País viu estoques de vacinas vencidas ao mesmo tempo em que assistiu à baixa adesão da população à vacinação. Também não será com adornos que se resolverá a longa espera por um atendimento especializado, consulta ou exame de rotina no SUS. Na eleição passada, constatou-se que em 13 capitais do País a população precisa esperar, em média, mais de um mês para ter uma simples consulta médica na rede do SUS. Há capitais em que a média chega a 197 dias, com patamar similar para cirurgias eletivas. Não são raros os casos em que pacientes aguardam mais de um ano para serem atendidos.
Igualmente grave é a defasagem da tabela do SUS, felizmente lembrada pelo novo ministro. Celebrado como o maior serviço público de saúde do mundo, o SUS é essencialmente prestado por entes privados. Enquanto os hospitais estatais são insuficientes e caros, as instituições beneficentes, como Santas Casas e hospitais filantrópicos, respondem por metade dos atendimentos do SUS e 70% dos casos de alta complexidade. Seria um modelo exemplar, não fossem defasados os valores pagos aos hospitais que prestam o serviço, gerando penúria financeira insustentável.
Alexandre Padilha disse reassumir a pasta “ainda mais cheio de energia” do que na primeira vez. Que a use em benefício da racionalidade e da eficiência, capazes de abrir caminho para um atendimento decente a milhões de pessoas que dependem do SUS. Do contrário, caso se inspire em demasia nas urnas, repetirá a patranha habitual petista de maquiar deficiências com propaganda e retórica. (Opinião/Estadão Conteúdo)