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Por Redação O Sul | 28 de outubro de 2017
O ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), disse nesta sexta-feira que “quase ultrapassou a linha” na briga com Gilmar Mendes, durante a sessão de quinta-feira. “Vocês ainda vão ter filhos um dia. Alunos são como filhos espirituais. E quando tiverem filhos irão aprender que os filhos não prestam atenção no que a gente fala. Eles prestam atenção no que a gente faz.
Por isso, tenho a preocupação de nunca ser um mau exemplo”, disse o ministro durante aula na Faculdade de Direito da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro). De acordo com o gabinete do ministro, os alunos estavam “em estado de grande vibração com o embate da véspera”, Barroso ficou preocupado com o que “interpretou como certa celebração do conflito” e “fez questão de apaziguar os ânimos”.
“A exaltação não é a melhor forma de se expressar. Às vezes a gente levanta o tom da voz, mas essa não é a melhor forma de viver a vida. Pode acontecer de ser necessário, às vezes. Mas isso não é motivo de alegria. E em qualquer caso, a gente deve sempre estar em controle, sem nunca ultrapassar a linha. No caso de que estamos tratando, eu não ultrapassei. Mas foi quase”, afirmou.
Também pela manhã, mas em Brasília, durante uma palestra no IDP, instituição de ensino da qual é sócio, Gilmar – sem citar o nome de Barroso – disse que, “de vez em quando”, o STF é “esse tipo de Corte, que proíbe a vaquejada e permite o aborto”. Barroso ajudou a formar maioria em ambos os casos, julgados no último ano: a Primeira Turma do STF (composta por cinco ministros) firmou o entendimento que praticar aborto nos três primeiros meses de gestação não é crime; o plenário do Supremo proibiu a vaquejada, que depois foi validada pelo Congresso.
Na quinta-feira, durante julgamento no plenário do STF, o clima esquentou quando Barroso disse que Gilmar “tem parceria com a leniência em relação à criminalidade do colarinho branco”. Gilmar rebateu e chamou o colega de “advogado de bandidos internacionais”. Sobre a briga dos colegas, o ministro Marco Aurélio disse à Folha que o episódio é “lastimável” e completou: “Não teço considerações maiores porque guardo inimizade capital com um dos interlocutores”, em referência a Gilmar.
A discussão gerou um clima de constrangimento depois da sessão, disseram ministros à reportagem. Em conversas reservadas, reclamaram de a presidente Cármen Lúcia não ter encerrado a sessão quando o clima piorou. Segundo ministros, a provocação feita por Barroso não foi uma surpresa devido ao clima de “belicosidade” nos bastidores do tribunal. A presidente disse a pessoas próximas que pretende conversar com os dois na próxima semana. Segundo relatos, ela reclamou da exposição que o episódio gerou para o Tribunal.
A discussão entre os ministros expõe uma divisão no tribunal. Os julgamentos de questões que de alguma maneira estão relacionadas à Lava Jato são marcados pelo antagonismo de dois grupos. Alinhados ideologicamente, Barroso, Edson Fachin, Rosa Weber e, em várias ocasiões, Luiz Fux costumam proferir votos no mesmo sentido. Outro grupo, que conta com Gilmar, Alexandre de Moraes, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, tem posições semelhantes em questões relativas à Lava-Jato.
Apesar de muitas vezes defenderem a mesma tese, os ministros alinhados com os votos de Gilmar têm postura diferente daquela do colega, que costuma falar publicamente sobre vários assuntos e criticar publicamente decisões de seus pares. Ele já criticou decisões de Fachin, Rosa, Fux, Barroso, Marco Aurélio e Lewandowski. O decano Celso de Mello, Marco Aurélio e Cármen Lúcia são considerados,
nos bastidores da corte, mais independentes desses grupos.
Alguns julgamentos importantes que ainda estão para ocorrer devem expor novamente essa divisão. Um deles é arevisão da prisão após condenação em segunda instância. Gilmar, que votou a favor em 2015, já mudou sua posição e passou a conceder habeas corpus a condenados nessa situação.
Nesta sexta-feira, a presidente definiu a pauta do tribunal para novembro e não incluiu ações polêmicas, como prisão em segunda instância ou a possibilidade de a polícia fechar acordo de delação premiada. De acordo com um ministro, a “pauta sem grandes temas controversos” foi um pedido feito pelos magistrados e reforçado após a confusão da quinta-feira.