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O mundo afogado em dívida: governos e empresas recorreram aos mercados para conseguir 25 trilhões de dólares em crédito

Donald Trump dinamita a ordem mundial pós-guerra que bem ou mal vigorou nos últimos 80 anos. (Foto: WH/Divulgação)

Em 2024, governos e empresas recorreram aos mercados para levantar US$ 25 trilhões em crédito. É o que aponta o relatório “Financiando o crescimento em um ambiente desafiador no mercado de dívida”, recém-publicado pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Trata-se de um endividamento US$ 10 trilhões acima daquele verificado no período anterior à pandemia de covid-19 e quase três vezes superior ao nível de 2007. Além disso, a tendência é de que os níveis de endividamento sigam em alta: a relação dívida/PIB em países da OCDE deve atingir 85% em 2025, alta de 10 pontos porcentuais em relação a 2019 e quase o dobro do observado em 2007.

Ainda de acordo com a publicação, o porcentual de dívida soberana detido por bancos centrais vem caindo continuamente nos países da OCDE: de 29% da dívida circulante em 2021 para 19% em 2024, enquanto o volume de dívida soberana detido por investidores estrangeiros subiu de 29% para 34% no período.

Mantida essa tendência, alerta a OCDE, ou os investidores atuais precisarão comprar mais dívida ou novos participantes, mais sensíveis a variações de preços, terão de financiar as necessidades de países e empresas, o que pode adicionar volatilidade ao mercado.

Tanto no período da pandemia como no da grave crise financeira que abalou o mundo em 2008, o endividamento foi uma ferramenta fundamental para a mitigação de choques econômicos e para que se estimulasse a recuperação de nações e empresas de diversos ramos. Importante para que se levasse adiante o financiamento de políticas públicas que asseguraram o crescimento econômico sustentado, o crescimento dos níveis de endividamento por si só não seria um problema.

Ocorre que, no quadro capturado pela OCDE, o volume de dívida estatal e corporativa vem aumentando num ambiente de custos e riscos de crédito mais elevados, o que restringe a capacidade de endividamento futuro e compromete seriamente o financiamento de medidas que apoiem o aumento da produtividade e o envelhecimento da população.

Crédito mais caro e arriscado também é um obstáculo para que gastos com defesa sejam ampliados, um imperativo agora que o presidente dos EUA, Donald Trump, dinamita a ordem mundial pós-guerra que bem ou mal vigorou nos últimos 80 anos.

No agregado da OCDE, os gastos dos governos com o pagamento de juros é maior que o investimento em defesa. Em 2024, as despesas com juros em dois terços dos países da organização chegaram a 3,3% do PIB, 0,3 ponto porcentual a mais que em 2023.

Em relação especificamente às empresas, a OCDE detectou que a maior parte da dívida corporativa nos últimos anos foi destinada a operações financeiras como remuneração a acionistas, e não a investimentos voltados ao aumento da produtividade.

“Ampliar a eficiência do gasto público, priorizar investimento público orientado para a melhora da produtividade e do crescimento econômico de longo prazo e oferecer às empresas incentivos para que, ao contrair dívida, aumentem sua capacidade produtiva e melhorem suas perspectivas de crédito” são as recomendações do secretário-geral da OCDE, Mathias Cormann, para que as nações e empresas se endividem de forma mais racional.

Embora não faça parte da OCDE, o Brasil é citado no relatório como país com relação dívida/PIB superior a 60% – de acordo com o Banco Central, a dívida bruta do governo geral encerrou 2024 em 76,1% do PIB. O País também é mencionado, ao lado da Turquia, como um dos poucos emergentes com PIB superior a US$ 1 trilhão que não merecem grau de investimento, espécie de selo de bom pagador dado pelas agências de classificação de risco.

É mais que sabido que, com a Selic em alta, a relação dívida/PIB brasileira seguirá aumentando. Nesse sentido, o relatório da OCDE deveria ser mais um alerta para o governo brasileiro, que vem adotando uma série de medidas de estímulo ao consumo, sem qualquer preocupação com uma maior produtividade num país que vive de espasmos econômicos.

Se até países da OCDE, em geral economias mais dinâmicas e diversificadas que a brasileira, estão sendo chamados a repensar como operam com dívida, bem faria o Brasil se gerisse seu endividamento de modo a garantir crescimento sólido.

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