O presidente da Argentina, Javier Milei, está realizando um experimento notável. Ele é presidente há um ano e fez campanha empunhando uma motosserra, mas seu programa econômico é sério e uma das doses mais radicais de livre mercado desde o Thatcherismo. A esquerda o detesta e a direita trumpista o abraça, mas ele realmente não pertence a nenhum dos dois grupos.
Milei acredita no livre comércio e nos mercados livres, não no protecionismo; acredita na disciplina fiscal, não em empréstimos imprudentes; e, em vez de fantasias populares, na verdade pública brutal. Em entrevista concedida a The Economist no dia 25 de novembro em Buenos Aires, o presidente argentino explica as suas visões econômicas e detalha o trabalho feito na Argentina em um ano de governo.
“Me pediram para reduzir a inflação e acabar com a insegurança. E eu estou acabando com a inflação e estamos aniquilando a insegurança. Minha campanha foi sobre o plano econômico, a motosserra, algo que evidentemente fizemos. E em minha política internacional, prometi uma aliança com os Estados Unidos e Israel, o que também estamos fazendo”, disse Milei.
Leia, a seguir, trechos da entrevista:
1) Em todo o mundo é muito difícil, no momento, reduzir o tamanho do Estado. Mas na Argentina vocês estão conseguindo. Qual é o segredo de seu sucesso?
O primeiro é a existência de uma estrutura filosófica. Ou seja, além das restrições que se pode ter no curto prazo, ainda considero o Estado uma organização criminosa violenta que vive de uma fonte coercitiva de renda chamada impostos, um resquício da escravidão. Quanto maior o tamanho do Estado, mais a liberdade e a propriedade são restringidas.
Depois, há a realidade com a qual me deparo. A Argentina tinha um déficit fiscal de 15% do PIB. 5% estava no Tesouro, 10% estava no Banco Central. E a inflação no atacado estava chegando a 54% ao mês, algo em torno de 17.000% ao ano. Se eu não fizesse algo muito abrupto, acabaria em hiperinflação. E isso implicava fazer algo abrupto tanto no Tesouro quanto no Banco Central. Não havia acesso a financiamento e nem demanda por dinheiro. Já estávamos à beira de uma catástrofe.
De fato, a situação combinava os piores elementos das três piores crises argentinas da história. Na época do Rodrigazo [conjunto de políticas econômicas argentinas na década de 1970], tínhamos um superávit monetário duas vezes maior. A situação do Banco Central, em termos de passivos com juros versus base monetária, era pior do que antes da hiperinflação de 1989. Os indicadores sociais eram piores do que os que tínhamos em 2001. Portanto, estavam dadas as condições para a hiperinflação, com uma queda do PIB de cerca de 15% e 95% das pessoas ficando pobres.
Esse era o cenário que estávamos enfrentando se não fizéssemos os ajustes. Porque, novamente, não tínhamos acesso a financiamento e não havia demanda por dinheiro. Portanto, não havia espaço para aumentar os impostos, o que eu também não teria feito. Também não havia muita margem para fazer qualquer outra coisa.
2) Há alguma lição que possa ser aplicada em outras partes do mundo? Ou será que a Argentina é tão singular que as lições não podem ser aplicadas em outro lugar?
Sim, há muitas coisas que podem ser aplicadas. Porque não fizemos apenas a redução do déficit do Tesouro e a limpeza do Banco Central. Também temos uma agenda de reformas desregulatórias e estruturais. De fato, entre a Lei de Bases e a DNU 70/2023 [um decreto presidencial], fizemos 800 reformas estruturais. Ou seja, é uma reforma estrutural oito vezes maior do que a que [Carlos] Menem [ex-presidente] fez em seus dez anos, que foi a maior reforma estrutural da história da Argentina. Fizemos isso em menos de seis meses, com 15% da Câmara dos Deputados e 10% da Câmara dos Senadores.
Mas também temos uma agenda desregulamentadora. Todos os dias nós desregulamentamos e ainda temos 3.200 reformas estruturais pendentes. Essa parte é fácil de exportar. E, de fato, o próprio Elon Musk e [Vivek Ramaswamy] estão apenas, digamos, importando essa parte, certo? Que é remover as regulamentações e remover todo esse emaranhado de impedimentos ao funcionamento do Estado.
E, bem, a questão dos cortes. Essa é uma questão de política interna e também tem a ver, digamos, com o desprezo que você sente pelo Estado. No meu caso, meu desprezo pelo Estado é infinito.