Quinta-feira, 21 de novembro de 2024
Por Filipo Studzinski Perotto | 9 de abril de 2020
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
No texto de hoje, reproduzo conversa com a antropóloga Fabiela Bigossi, sobre a situação dos idosos no Brasil na gestão da crise sanitária causada pelo Covid-19.
Quem são os idosos no Brasil?
Fabiela: A esperança de vida dos brasileiros ao nascer é de 76,3 anos (dados de 2018), apresentando diferenças importantes entre os Estados. Em Santa Catarina a esperança de vida alcança os 79,7 anos enquanto no Maranhão, ela é de 71,1 anos. O Brasil tem 28,7 milhões de idosos, que representam 13,6% da população do país.
Entre eles, dois perfis se destacam: (1) o dos que são financeiramente responsáveis pelo domicílio, partilhado com filhos e/ou netos, e (2) o dos que necessitam diariamente dos cuidados dispensados pela família em razão de uma dependência física, visto que políticas públicas de assistência domiciliar aos idosos são praticamente inexistentes. Outro perfil crescente no Brasil desde 2015 é o dos idosos que precisam continuar trabalhando após a aposentadoria para completar a renda.
Como o Brasil está cuidando dos idosos nessa crise?
Fabiela: o imaginário do “país do futuro” está muito presente na política de enfrentamento do Covid-19, partilhado nos discursos oficiais do presidente e de governadores, sobretudo quando se reitera a questão da economia. O “país de jovens” mostra a face de um Estado gerontofóbico, que se isenta e joga para a família a responsabilidade no cuidado com os mais velhos. Na verdade, muitos desses idosos já vivem isolados, abandonados pela família. Nessa situação de crise, também pelo governo e pelas instituições.
País do futuro?
Fabiela: Essa expressão vem da obra lançada em 1941 por Stefan Zweig. Trata-se do título do livro, que na época suscitou interpretações contraditórias na esfera política brasileira. O slogan acabou sendo adotado e continua soando como um qualificativo para o país. Inúmeros governantes se serviram dele para promover as mais diversas ações. A expressão ainda suscita a ideia, tanto no Brasil como no exterior, de um país jovem, e de jovens.
Há razões para se ver estigmatização?
Fabiela: No nosso modelo de sociedade, os “velhos” incomodam caso eles não possam continuar consumindo. Certas vidas valem mais que outras e isso se revela a cada crise política, econômica ou humanitária. No atual contexto, as vidas dos idosos são as que menos importam no Brasil. Decretos municipais validados para o período da pandemia de Covid-19, como em Porto Alegre, determinam que multas podem ser aplicadas aos idosos que se estiverem caminhando por praças e parques. “O isolamento social é mais que uma recomendação para as pessoas acima de 60 anos”. Não existem sanções para indivíduos ou grupos de outras idades que se encontrem nos mesmos espaços. Porto Alegre é uma das cinco cidades brasileiras que possui o selo internacional da OMS “Cidades amigas do idoso”.
Se essa população já era discriminada pelas instituições em “tempos normais” (as discussões sobre a reforma da previdência exemplificam bem isso), agora eles são claramente expostos. Passaram de população de risco, que deve ser protegida, à população problema. “Apenas velhos morrem”, disse o presidente da república para justificar que a situação não é grave a ponto de querer-se “prejudicar a economia por causa de alguns”. Economia e saúde são claramente colocadas em oposição na gestão brasileira da epidemia, e os idosos responsabilizados pela desestabilização dos dois setores.
* Fabiela nasceu em Nova Prata, é doutora em Antropologia pela UFRGS, especialista em envelhecimento e saúde. Atualmente é pesquisadora no Observatório Regional de Saúde em Paris.
** Filipo nasceu em Porto Alegre, e participa de movimentos intelectuais de esquerda no Brasil e na França. Atualmente é pesquisador na Universidade de Toulouse.
*** Este artigo é de inteira responsabilidade do autor, cível e criminalmente, não refletindo a opinião do Jornal O Sul. Sua publicação não implica ônus a qualquer título ao jornal.
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