O ex-militante de extrema-esquerda Cesare Battisti, 62 anos, foi personagem de um dos episódios mais controversos da política externa do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010). Agora, com a inclinação do presidente Michel Temer pela extradição do italiano, o caso Battisti volta à tona e, mais uma vez, protagoniza polêmicas e divide opiniões.
Filho de comunistas, ele nasceu em 1954 e, na juventude, militou no PCI (Partido Comunista Italiano), no qual se opôs ao governo em um período conhecido como “anos de chumbo” na Itália (entre o final dos anos 1960 e início dos anos 1980) que, apesar de democrático, foi marcado pela forte repressão do Estado e conflitos entre grupos de esquerda e paramilitares de direita.
Battisti deixou a sigla em 1971 para aderir ao movimento da extrema-esquerda Lotta Continua. Ele foi preso pela primeira vez em 1972 pelo crime de furto e, dois anos depois, por assalto à mão armada. Foi na prisão que o ex-militante conheceu e entrou para o PAC (Proletários Armados pelo Comunismo), grupo de origem marxista que, posteriormente, o ajudou a entrar na clandestinidade.
Ele foi acusado de envolvimento em quatro assassinatos ocorridos entre 1977 e 1979 durante ações do PAC: o do agente penitenciário Antonio Santoro, o do joalheiro Pierluigi Torregiani, o do açougueiro Lino Sabadin e o do agente policial Andrea Campagna. Battisti sempre negou os crimes.
As alegações para as mortes variam entre abuso de autoridade, simpatia ao fascismo e resistência a roubos. O grupo justificava os atentados na necessidade de financiamento da organização. As acusações de que Battisti participou dos assassinatos partiram de seu ex-companheiro Pietro Mutti, preso e que optou pela delação premiada para reduzir a sua pena.
Após a delação, Battisti foi julgado à revelia na Itália e condenado à prisão perpétua, mas já estava longe. Com a criação da chamada “Doutrina Mitterrand”, instituída pelo ex-governante da França François Mitterrand (1981-1995) que acolhia ex-militantes que decidissem abandonar a luta armada, Battisti deixou o México e se exilou em território francês, onde já vivera na clandestinidade por um ano.
Anos mais tarde, já como escritor de romances policiais, foi pego de surpresa pela revisão da doutrina feita pelo sucessor de Miterrand, Jacques Chirac. Em meio a protestos de intelectuais e artistas, Battisti foi preso, mas voltou a ganhar liberdade. Quando a ordem para extradição à Itália se tornou definitiva, veio uma nova fuga, para o Brasil, em 2004.
Em março de 2007, Battisti foi detido no Rio de Janeiro e ficou preso no complexo penitenciário da Papuda, no Distrito Federal. Mas em 2009, o então ministro da Justiça, Tarso Genro, atendeu um recurso formulado pela defesa de Battisti e concedeu a ele refúgio político.
Battisti alegava que não havia conseguido exercer o direito de defesa e sustentava que as condenações decorriam de perseguição política do Estado Italiano. A decisão do ministro foi defendida pelo ex-presidente Lula, que disse que a ação era “questão de soberania nacional”.
No entanto, em novembro do mesmo ano, o STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu anular o refúgio, ao considerar que os crimes cometidos por Battisti foram comuns e não políticos. Apesar da decisão, a corte determinou que a palavra final caberia a Lula. Na época do julgamento, Battisti chegou a fazer uma greve de fome em protesto ao que chamou de “retaliação do governo italiano”.
O governo da Itália, por sua vez, criticou duramente o refúgio, chegando a ameaçar boicotar eventos esportivos no Brasil, como a Copa do Mundo de 2014. Mesmo assim, em 2010, em seu último dia de mandato, Lula garantiu a permanência de Battisti.
Situação atual
Passados sete anos, quando a situação parecia mais tranquila a Battisti, o italiano foi preso por evasão de divisas em Corumbá (MS) e o caso voltou à tona. Ele foi detido na fronteira com a Bolívia ao transportar cerca de R$ 23 mil não declarados à Receita Federal brasileira. Battisti diz que queria fugir E sim comprar materiais de pesca, vinhos e casacos de couro no país vizinho.
O ministro da Justiça, Torquato Jardim, disse que houve quebra de confiança. Temer decidiu revogar a condição de refugiado do italiano e extraditá-lo, mas decidiu esperar que o STF decidida sobre o habeas corpus preventivo. Na semana passada, o ministro Luiz Fux concedeu liminar que impede a extradição de Battisti até que o pedido da defesa seja analisado pela Primeira Turma da Corte. Battisti é casado com uma brasileira e tem um filho no País.