Segunda-feira, 18 de novembro de 2024
Por Edson Bündchen | 7 de março de 2024
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Quando o Muro de Berlim foi derrubado, em 1989, junto com o colapso da antiga União Soviética, foi possível perceber o enorme abismo existente entre a Alemanha Ocidental e a Alemanha Oriental. A primeira, moderna e desenvolvida; a segunda, estagnada no tempo, após mais de 40 anos dominada pelo regime comunista de Moscou. Foram necessários bilhões de marcos alemães para que houvesse a integração entre as duas economias, que hoje se fundem num só mercado. Essa preocupação dos germânicos em incorporar seus vizinhos não se deveu apenas ao sentimento cívico, mas a convicção de que a agregação de quase 17 milhões de compatriotas ao mercado capitalista da Alemanha Ocidental poderia ensejar ganhos recíprocos e tornar ainda mais pujante a economia alemã.
Nem todos, porém, têm a chance que a Alemanha teve. De acordo com pesquisas do Instituto de Investigação da População e Segurança Social (IPSS) do governo japonês, a população daquele país encolherá cerca de 30% até 2070. Naquela altura, o número de pessoas com 65 anos ou mais representará 40% do total. O Japão, contudo, está longe de ser o único país com esse problema. Os seus vizinhos do Leste Asiático, incluindo a China, Hong Kong, Taiwan e a Coreia do Sul, enfrentam situações semelhantes, tal como vários países europeus, como a Espanha e a Itália. O Brasil, embora tenha uma previsão moderada de crescimento populacional até 2050, enfrenta problemas de natureza bastante distinta dos países antes citados. Temos, segundo o IBGE, cerca de 80 milhões de pessoas vivendo entre a pobreza e a miséria. Entretanto, apesar de vergonhoso, esse quadro pode representar uma oportunidade para que o Brasil, assim como fez a Alemanha, dinamize a economia nacional como um todo, incorporando economicamente essa fatia enorme de brasileiros que vivem da mão para a boca, condenados à miséria ao nascer e sem que recebam políticas de inserção social dignas e efetivas.
De fato, o que se observa é a reedição, década após década, de um modelo perverso de exclusão de parte considerável de brasileiros, herdeiros do pior que o modelo escravocrata nos legou, humilhados diariamente pelos quatro cantos do Brasil. Essa reprodução da miséria é previsível, pois está incorporada naquilo que Pierre Bourdieu, sociólogo francês, denominou de “habitus”, nesse caso um habitus precário, dos excluídos e estigmatizados. Já nascem condenados, desde o berço, geralmente em famílias monoparentais, sem que desenvolvam, aquilo que a maioria da classe média reproduz como privilégio aos seus filhos: atenção, orientação ao estudo, autocontrole, valorização do pensamento prospectivo, determinação, etc. A ausência de tais predisposições nos jovens marginalizados faz toda a diferença, uma vez que lhes estão ausentes parte significativa de inclinações e comportamentos muito valorizados no mercado de trabalho e na aprendizagem de novas competências.
Literalmente, nosso País joga na lata de lixo o futuro e a dignidade de milhões de brasileiros, o que é humanitariamente aviltante, além de economicamente incompreensível. Nós, ao contrário dos muitos países que veem suas populações minguarem, temos dezenas de milhões de brasileiros abandonados e sem nenhuma esperança, condenando o Brasil, por omissão e negligência, a ter uma economia grande, mas brutalmente desigual e elitista.
Para reverter esse quadro tenebroso é preciso, antes de tudo, coordenar as forças civis com a atuação estratégica do Governo. É também importante haver objetivos bem definidos, ações críveis e concatenadas que sinalizem a forma como sairemos da atual posição em relação aos excluídos. O País que somos, periférico, de renda média e brutalmente desigual, com imensas manchas de pobreza, baixa educação e violência, tem a oportunidade de ser transformado por dentro, com o capital humano que possuímos, com nossas singularidades e a vitalidade empreendedora que brota sempre que adequadamente provocada, mas cuja omissão e inação para esse enfrentamento vêm sendo o pior dos nossos desperdícios.
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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