No momento em que o Congresso Nacional debate a limitação de supersalários no serviço público, benesses concedidas pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), a servidores da Casa na véspera do carnaval abriram brecha para que um funcionário de alto escalão do Legislativo receba acima do teto constitucional do funcionalismo, que é de R$ 46.366,19. A Transparência Brasil pediu na sexta-feira ao Tribunal de Contas da União (TCU) a suspensão dos novos “penduricalhos”.
Cinco atos administrativos assinados pelo presidente do Senado incrementaram gratificação por desempenho e permitiram indenização por “venda de folgas”. Com o pagamento do dinheiro extra, servidores poderão receber até mais que um senador.
Antes, a gratificação por desempenho poderia ir de 60% a 100% do vencimento básico da categoria, a depender da avaliação do trabalho do servidor. Agora, será de 100%. O novo percentual valerá até que a Mesa Diretora do Senado se reúna novamente para alterar o critério – o que está previsto no ato do presidente da Casa, mas sem definição de data.
Procurado, Alcolumbre não quis se manifestar.
Em reação, a Transparência Brasil protocolou uma representação no TCU questionando os benefícios, que ficam de fora da linha de corte do teto. “O ato de Alcolumbre abre caminho para os chamados supersalários, ao permitir que o servidor converta a licença em indenização, um tipo de pagamento sobre o qual não se aplicam descontos (abate-teto). E sequer fica claro quem exatamente teria direito ao benefício, porque a definição de ‘função relevante singular’ é genérica”, disse Marina Atoji, diretora de Programas da Transparência Brasil.
A especialista também chama atenção para o fato de as decisões não especificarem qual seria o impacto fiscal: “A criação do benefício foi feita de forma contrária à Lei de Responsabilidade Fiscal. O ato não indica a estimativa de impacto financeiro da medida nem a fonte do recurso necessário para cobrir a despesa criada.”
Como justificativa para uma das medidas, a que permite aumentar a gratificação, o ato assinado pelo presidente do Senado cita a “importância da valorização dos servidores públicos como elemento fundamental para a excelência dos serviços prestados”.
O senador registra ainda que “o reconhecimento adequado do desempenho fortalece o comprometimento e a motivação dos profissionais, contribuindo para a melhoria contínua da gestão institucional”.
Outro ato dispõe sobre o auxílio-alimentação pago a servidores, que foi reajustado em 22,19%, passando a ser de R$ 1.784,42.
Em relação à venda de folgas, o servidor poderá tirar um dia de descanso a cada três dias trabalhados e, caso não queira usufruir do benefício, poderá pedir uma indenização. O limite do pagamento é de dez dias por mês, o que abre margem para aumentar o salário em até um terço.
A indenização por folgas não aproveitadas vale para servidores que exercem “função relevante singular”. O ato cita servidores da Diretoria-Geral, da Secretaria-Geral da Mesa, do Gabinete da Presidência, da Advocacia, da Auditoria, da Consultoria Legislativa, da Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle e da Secretaria de Comunicação Social.
Por essas regras, um consultor legislativo, por exemplo, só com as gratificações por desempenho e auxílio-alimentação, sem contar os dias de “folgas vendidas”, poderá ter um salário de R$ 47.952,00, superior ao teto do funcionalismo.
Todos os atos administrativos foram assinados no último dia 28, em meio a um esvaziamento do Senado por conta do carnaval. As novas regras estimulam outros setores do serviço público a fazer as mesmas reivindicações.
O Sindilegis, que representa servidores da Câmara, Senado e do TCU, por exemplo, definiu que entre as prioridades para 2025 está pedir reajuste no auxílio-alimentação e a criação de avaliação e gratificação por desempenho para servidores da Câmara.
Marcus Pestana, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), vinculada ao Senado e que tem o objetivo de ampliar a transparência das contas públicas, minimizou os atos.
“São opções administrativas tomadas pela Mesa Diretora dentro dos parâmetros orçamentários fixados pela LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) e pelo OGU (Orçamento Geral da União) para cada Poder. São remanejamentos dentro do teto orçamentário do Senado, não gerando impacto extra sobre a meta fiscal”, disse o ex-deputado federal pelo PSDB de Minas.
Outra decisão também beneficia senadores ao determinar o aumento da cota parlamentar. As novas regras permitem a contratação de mais assessores para os gabinetes, além de reajustar os valores da verba. A cota é calculada de forma diferente por estado, já que as passagens aéreas para o deslocamento ao reduto eleitoral variam. Para senadores do Amapá, estado de Alcolumbre, a cota aumentou de R$ 46.933,20 para R$ 52.798,82.
Os atos do presidente do Senado ocorrem em meio a um esforço de ajuste das contas públicas e medidas de contenção fiscal. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, enviou um pacote nesse sentido, que foi desidratado pelo Congresso. As informações são do jornal O Globo.