Por Filipo Studzinski Perotto
O clássico livro de filosofia política intitulado “O Príncipe” foi escrito por Maquiavel durante o Renascimento. É um manual de instruções, sem floreios, destinado aos déspotas, numa época em que se consolidava a separação moderna entre Estado e Igreja. Maquiavel sugere como um soberano absoluto (ou “príncipe”, que hoje se chamaria “ditador”) deveria proceder para conquistar e manter seu poder. Uma das interpretações do livro é a de que “os fins justificam os meios”. O “bom ditador”, pragmático, não se atém a princípios morais. Daí o adjetivo “maquiavélico”: um sujeito ardiloso, sem escrúpulos na busca de seus objetivos. Sobretudo, o “príncipe” deve ser “temido e amado”.
No cenário político brasileiro de hoje, quem mais faz lembrar as estratégias do tal “príncipe” é o atual “super-ministro” da Justiça, ex-juiz, e líder político reconhecido da operação lava-jato. Na época dessa controvertida operação midiática, judiciária e policial, em nome da “cruzada” contra a corrupção, Sérgio Moro era quem mandava prender ou soltar. Também tinha o poder da tortura psicológica: ou delata quem a gente quer ou fica na cadeia. Não há pena de morte, senão doutor Moro poderia quem sabe, como o “príncipe”, num gesto elegante, acompanhado de palavras em latim, mandar os insolentes para o cadafalso.
Num país cansado de sangrar pela corrupção, à espera de um herói, criaram-se todos os mecanismos necessários para outra finalidade: uma caçada implacável aos “inimigos políticos”. O troféu máximo foi conquistado: Lula preso, humilhado, castigado, aos 72 anos de idade, com 580, não chibatadas, mas dias na prisão. A sentença de Curitiba foi confirmada pelos colegas de Porto Alegre, num espetáculo do qual as imagens mais marcantes foram a soberba dos juízes, e o cordão de isolamento policial na frente do TRF4 para dissuadir um possível amotinamento da plebe.
Naquele momento, a direita brasileira (liberal ou conservadora) amargava 4 derrotas consecutivas nas eleições presidenciais para o PT. Só voltaram ao poder graças à manobra do impeachment. Quando foi preso, Lula era líder das intenções de voto para as eleições de 2018. Foi no mínimo uma “coincidência feliz” para seus adversários, verem-no eliminado do páreo antes da largada. Naquela época, fotos obscenas de Moro com Temer, Aécio ou Alckmin eram estampadas nas capas de certas grandes revistas e jornais. Também viam-se fotos dos manifestantes verde-amarelo com bonecos do “Super Moro”, demonstrações de idolatria que o “príncipe” agradeceu via redes sociais, atribuindo tais gestos à “bondade do povo”.
As ambições de PSDB e PMDB foram pelo ralo com o retumbante fracasso eleitoral. Mas o príncipe sabe o que faz. Suas ações são as de um jogador de xadrez. O PSL, saído do nada, mas com o discurso certo para uma eleição forçadamente polarizada, era o cavalo encilhado. O então juiz ajudou a eleger, e em seguida integrou o governo do ex-militar, apesar de seus discursos toscos, reacionários e anti-democráticos. O cálculo é simples: Moro no governo é um “selo” anti-corrupção e anti-petista. Bolsonaro, com suas lambanças e agressões, deve chegar ao fim do mandato desgastado. Nessa deixa, nosso herói estará pronto para ser aclamado pelo povo em 2022, tal um imperador romano.
Moro calcula suas aparições públicas. Dá poucas entrevistas, somente a jornalistas amigos. Sabe que quanto mais se expõe, mais dá argumentos aos opositores para criticá-lo. A imagem de Moro é também um “mito”. Se aparecer em “lives” dando opiniões, com frases confusas e voz esganiçada, perderá os ares de divindade.
Não pode bater de frente com o presidente. Se perder o ministério, desaparecerá do circo político e chegará em 2022 enfraquecido. Também não pode ficar muito alinhado, senão afunda junto com esse (des)governo. Moro quer ser presidente. Em caso de deriva, a vaga no STF está pronta. Se for candidato a senador, por qualquer partido e lugar, será eleito mesmo sem abrir a boca.
* Este artigo é de inteira responsabilidade do autor, cível e criminal, sem ônus, e não refletindo a opinião do jornal O Sul.