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Colunistas O que as eleições norte-americanas podem nos informar sobre as políticas culturais?

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Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

Em novembro, realizam-se as eleições norte-americanas. Tendo em conta o poder hegemônico dos Estados Unidos, o mundo todo começa a acompanhar o desenvolvimento das campanhas presidenciais e a formar opinião. O noticiário nacional vem investigando quais os impactos que os candidatos Donald Trump, do Republicanos, e Kamala Harris, do Democratas, podem oferecer para a política brasileira. De que forma os resultados influenciam as políticas culturais norte-americanas e o que elas podem informar à política cultural brasileira?

É preciso compreender, inicialmente, as diferenças estruturais na legislação, na gestão e no financiamento cultural entre os Estados Unidos e o Brasil. A legislação norte-americana baseia-se no common law, cultura jurídica em que prevalece a jurisprudência perante a lei, em que o direito se origina das práticas das decisões tomadas frente aos casos concretos. A brasileira, por sua vez, baseia-se no civil law, tradição jurídica romana que atribui importância primordial à interpretação do direito escrito.

Ao pensar as políticas públicas em relação às pautas artísticas em ambos os países, logo se percebe uma diferença cultural no modo de organização dos estados, suas formas de legislação, de gestão e de financiamento. Quanto à legislação, encontra-se na Constituição norte-americana, por exemplo, a primazia do valor da liberdade de expressão (First Amendment), havendo a previsão de o Congresso Nacional promover o progresso das ciências e das artes e assegurar direitos de propriedade intelectual (Section 8: Powers of Congress). Não se verifica, contudo, uma ordem constitucional dedicada especificamente a temas da cultura, pois o ordenamento jurídico constitucional estadunidense é mais principiológico, ao contrário do brasileiro, que é mais positivista.

No Brasil, a Constituição Federal de 1988 dedica um capítulo específico para tratar da ordem cultural, em que dispõe acerca do dever do Estado em garantir o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional (Art. 215, CF); a obrigação legal de se estabelecer um Plano Nacional de Cultura plurianual, para o desenvolvimento cultural do País e para a integração das ações do poder público (Art. 215 §3º, CF); informa no que se constitui o patrimônio cultural brasileiro (Art. 216, CF) e o Sistema Nacional de Cultura (Art. 216-A, CF). A ênfase constitucional no dever do Estado informa da prioridade atribuída pelo Brasil às políticas culturais.

Nos Estados Unidos, construiu-se historicamente uma prática de gestão cultural a partir da filantropia, em que a sociedade toma para si a responsabilidade de contribuir para as atividades culturais, com instituições voltadas a promover a cultura e a financiá-la. As doações são incentivadas pela Federação, por meio de legislações de incentivo fiscal. A maior parte das contribuições à cultura derivam de contribuições de pessoas físicas. Essa prática histórica norte-americana influenciou às legislações brasileiras de fomento à cultura após a redemocratização com a aprovação, primeiramente, da Lei Sarney (Lei nº 7.505, de 2 de julho de 1986) e, posteriormente, da Lei Rouanet (Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991). No Brasil, o incentivo indireto advém sobretudo de pessoas jurídicas.

No que diz respeito à gestão cultural, nos Estados Unidos há uma política de governança multinível em relação às artes, em que “a Lei da Fundação Nacional de Artes e Humanidades de 1965 articula o valor das artes e humanidades para o povo americano, fornecendo a base para o desenvolvimento de uma burocracia complexa nos níveis estadual e federal” (Redaelli, 2018). Este modelo de governança de uma burocracia fragmentada “destaca a interação entre os órgãos públicos nos níveis federal e estadual, os vínculos com organizações sem fins lucrativos, as variadas estruturas organizacionais que implicam diferentes mecanismos de envolvimento dos cidadãos e as diversas fontes de financiamento” (Redaelli, 2018).

No Brasil, por sua vez, o Sistema Nacional de Cultura (SNC) organiza-se “em regime de colaboração, de forma descentralizada e participativa, institui um processo de gestão e promoção conjunta de políticas públicas de cultura, democráticas e permanentes, pactuadas entre os entes da Federação e a sociedade” (Art. 216-A, CF). Pode-se dizer que, muito embora o regime seja de colaboração entre todos os entes federativos, ainda se verifica, na prática, uma centralidade das políticas culturais a partir do Governo Federal.

O financiamento cultural nos Estados Unidos advém de três fontes: financiamento público direto, por meio do órgão federal National Endowment for the Arts (NEA), e de entidades análogas a níveis estaduais e municipais; outros financiamentos públicos diretos e indiretos advindos de departamentos federais e agências; bem como de contribuições do setor privado (pessoas físicas e jurídicas de direito público e privado) (NEA, 2012, p. 1). Em termos percentuais, 14,4% do financiamento à cultura vem do NEA; 44,9% de doações via incentivo fiscal, e 40,7% de rendimentos auferidos pelas instituições culturais.

No Brasil, o financiamento à cultura é regido pela Lei de Incentivo à Cultura (nº 8.313/1991, também conhecida como Lei Rouanet), que estabeleceu o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), o qual prevê o Fundo Nacional para a Cultura (FNC) – investimento direto; o Fundo de Investimento Cultural e Artístico (Ficart), cuja operacionalização ainda não ocorreu, e os Incentivos Fiscais para Projetos Culturais (Mecenato) – investimento indireto. Desde a implementação da Lei Rouanet, os maiores investimentos na cultura no Brasil derivam do incentivo fiscal.

A partir do contexto emergencial da pandemia de Covid, aumentou-se o investimento direto. Primeiramente com as leis Paulo Gustavo (Lei Complementar nº 195/2022 – investimento direto inédito de R$ 3,8 bilhões) e Aldir Blanc 1 (Lei nº 14.017/2020), ambas de caráter urgente, e, posteriormente, com a Lei Aldir Blanc 2 (Lei nº 14.399/2022), com objetivo mais estrutural de repasses anuais do governo federal, pelo período de cinco anos, de R$ 3 bilhões aos governos estaduais e municipais.

Voltando-se ao contexto das eleições norte-americanas e como elas podem impactar o setor cultural nos Estados Unidos e influenciar o brasileiro, observa-se que a estrutura legislativa norte-americana não deve se alterar com os resultados do escrutínio. Muito embora haja ameaças de alterações na gestão e no financiamento público do setor, é improvável também que elas se efetivem. Durante as suas campanhas e em seu governo, por exemplo, Trump ameaçou acabar com o NEA e o Instituto de Serviços de Museus e Bibliotecas, visando eliminar, segundo ele, gastos desnecessários, mas isto nunca ocorreu (Kinsella, 2021), sobretudo por oposição do Congresso. O investimento no setor, inclusive, aumentou, conforme informa o jornal The New York Times (Bowley, 2021).

O posicionamento político de ambos os partidos quanto à importância das artes para o país difere assim como os temas prioritários de cada partido tendem a dividir a classe artística. Temas como proibição do aborto, restrição à imigração e antipatia a políticas sociais, defendidos pelo Partido Republicano, tendem a desagradar os fazedores de cultura mais liberais. Ademais, como o exemplo acima descreve, o candidato republicano não vê o investimento no setor como prioritário. Por outro lado, o Partido Democrata tende a ser mais tolerante e liberal, bem como valorizar investimentos em cultura.

É difícil pensar em um impacto direto das eleições norte-americanas nas políticas culturais brasileiras. O que é possível dizer é que perfis mais conservadores no Brasil tendem a simpatizar com as políticas do Partido Republicano para o setor, enquanto perfis mais progressistas com o Partido Democrata. Isso é percebido, por exemplo, com a supressão e depois recriação do Ministério da Cultura, nos governos de Bolsonaro e de Lula, respectivamente. Bolsonaro sempre fora abertamente trumpista.

Ao contrário do Brasil, o voto nos Estados Unidos não é obrigatório. Isso faz com que um dos maiores desafios nas eleições norte-americanas seja convencer o eleitor a votar. A esse respeito, a instituição não-governamental Americans for the Arts Action Fund, que advoga em favor das artes nos Estados Unidos, vem estimulando os cidadãos comprometidos com o setor cultural a votar, por meio da campanha ArtsVote 2024. Esta campanha demonstra como a força da sociedade civil é importante para o estímulo do agenciamento cidadão.

Mais importante do que a polarização dos posicionamentos políticos é a participação no processo democrático e o agenciamento cidadão cotidiano em prol da cultura. Tanto nos Estados Unidos quanto no Brasil, a política cultural se faz com a participação da sociedade, e esse engajamento é fundamental para que as políticas culturais sejam vistas como prioridade.

* Maria Helena Japiassu Marinho de Macedo – advogada

* mariahelenajupiassu@gmail.com

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