O retorno do republicano Donald Trump ao salão oval da Casa Branca – de onde tradicionalmente despacham os presidentes americanos – poderá ter efeitos políticos de ordens práticas e filosóficas a quase sete mil quilômetros de Washington, a capital dos Estados Unidos.
Ao menos é o que acreditam expoentes da direita bolsonarista radicados atualmente no país, como o ex-comentarista da Jovem Pan, Paulo Figueiredo, e o ex-chanceler de Jair Bolsonaro, Ernesto Araújo. Ambos conversaram com a BBC News Brasil poucos dias antes das eleições americanas, agendadas para terça-feira (5), e indefinidas entre Trump e sua adversária, a democrata e atual vice-presidente Kamala Harris, segundo as pesquisas de intenção de votos.
Em diferentes graus, Araújo e Figueiredo estão convencidos de que, no poder, Trump exerceria pressão – direta ou indiretamente – no Brasil de modo a colocar em evidência o ex-presidente Jair Bolsonaro, atualmente inelegível até o fim de 2030, alterar o modo como o país combate fake news em mídias sociais, especialmente à luz do caso do bloqueio pelo Supremo Tribunal Federal do X (ex-Twitter) e impulsionar um retorno do foco do bolsonarismo a uma agenda mais programática de direita radical, com a chance de retomar e aprofundar intercâmbios com outros grupos políticos da mesma vertente internacionalmente, impulsionados pela força política e econômica do trumpismo instalado na Casa Branca.
A avaliação, no entanto, não é exclusividade de simpatizantes do ex-presidente Bolsonaro. “Se o Trump vencer, (…) muda (o cenário doméstico brasileiro). Se o Trump perder, desinfla muito o (líder argentino Javier) Milei, a extrema direita mundial. Se ele ganha, sempre dá um incentivo (ao bolsonarismo)”, disse o líder petista José Dirceu em entrevista à Mônica Bergamo, do jornal Folha de São Paulo, no fim de setembro passado.
Já o ex-subsecretário do Departamento de Estado para o Hemisfério Ocidental, Thomas Shannon, que serviu também como embaixador dos EUA no Brasil, vê a possível volta de Trump ao poder como o provável início de um novo capítulo da recente história espelhada que Brasil e EUA têm escrito.
Nos últimos dez anos, os dois países viveram o desgaste dos políticos tradicionais, a ascensão ao poder de modelos populistas de direita, a derrota nas urnas dos representantes desse modelo (Trump e Bolsonaro), as contestações ao modelo democrático que culminaram em ataques físicos às instituições pelos apoiadores desses líderes, como a invasão ao Capitólio, em 6 de janeiro de 2021, e a depredação da Praça dos Três Poderes, em 8 de janeiro de 2023.
“Se o Trump for reeleito agora, isso deve ajudar Bolsonaro, porque mostra que é possível perder e ainda assim voltar ao poder quatro anos depois”, disse Shannon à BBC News Brasil.
Pró-Trump
Tanto Figueiredo quanto Araújo se juntam, com diferente intensidade, a um esforço de brasileiros na campanha on-line pró-Trump. Fazem também a interface entre representantes da direita dos dois países e têm consolidado sua influência com a diáspora brasileira nos EUA.
Araújo soma quase 900 mil seguidores em sua conta do X e, atualmente licenciado do Itamaraty, vende cursos online de formação política à direita, que ele admite ter criado sob “inspiração” do guru Olavo de Carvalho, morto há dois anos.
Já Figueiredo, cuja conta do X está atualmente bloqueada no Brasil por determinação do STF, reúne 1,3 milhão de seguidores ali. Nos EUA, ele consegue operar seu perfil normalmente, sem restrições legais. Figueiredo é alvo de investigação da Polícia Federal, que o acusa de ter participação na tentativa de golpe de Estado arquitetada por expoentes do governo de Bolsonaro depois da derrota eleitoral de 2022.
Segundo o relatório do Ministro Alexandre de Moraes, que determinou medidas contra Figueiredo (como o cancelamento de seu passaporte brasileiro) no começo deste ano, ele fazia parte de uma ação coordenada para expor e pressionar comandantes militares que não concordaram em aderir aos planos golpistas. À época, ele mantinha um influente programa na emissora Jovem Pan. Figueiredo nega que tenha cometido crime, diz que realizou trabalho meramente jornalístico junto às suas fontes das Forças Armadas, que jamais tomou parte em conversas cujo objetivo fosse declaradamente um golpe de Estado e que tem sido vítima de censura prévia, já que seus perfis em redes sociais estão bloqueados.