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O que o RS pode aprender com falhas na resposta ao furacão Katrina nos Estados Unidos

Passagem do furacão Katrina, nos EUA, deixou quase 1,4 mil mortos e mais de 1 milhão de desalojados em 2005. (Foto: Getty Images)

No momento em que o Rio Grande do Sul confronta o alcance da destruição provocada pela maior enchente de sua história, surgem comparações com um dos mais devastadores desastres naturais a atingir os Estados Unidos: a passagem do furacão Katrina, em 2005.

Nos últimos dias, veículos da imprensa internacional chegaram a dizer que as inundações no sul do Brasil podem representar um teste e um “momento Katrina” para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Nos Estados Unidos, o então presidente George W. Bush foi duramente criticado pelo fracasso na resposta ao Katrina, que deixou quase 1,4 mil mortos e mais de 1 milhão de desalojados na região americana da Costa do Golfo do México e arrasou a cidade de Nova Orleans.

Quase 20 anos depois, as falhas de planejamento e preparação, a extensão dos danos e os desafios na reconstrução continuam sendo um símbolo no país e uma lição para outros locais afetados por desastres naturais.

Enquanto muitos dos estragos eram considerados inevitáveis, diante da força do furacão, hoje há consenso de que a devastação nos Estados Unidos foi agravada pela demora e ineficácia da resposta.

Segundo Jeffrey Schlegelmilch, diretor do Centro Nacional de Preparação para Desastres da Universidade Columbia, em Nova York, o Katrina até hoje continua sendo “um exemplo muito importante” dos erros a evitar em catástrofes do tipo.

Sistema de proteção

Schlegelmilch diz que parte dos problemas vinha de longo prazo, e já se sabia há muito tempo que Nova Orleans era vulnerável a inundações.

Maior cidade do Estado da Louisiana, Nova Orleans está localizada às margens do Lago Pontchartrain e do rio Mississippi, em uma área abaixo do nível do mar, e contava com um sistema de diques para se proteger das águas.

“Sabia-se que havia fragilidades no sistema”, afirma Schlegelmilch. “Também em torno de como o rio Mississippi, como bacia hidrográfica, estava sendo usado, e como a agricultura e o desvio de águas reduziam algumas das barreiras naturais para evitar inundações.”

O Katrina chegou em 29 de agosto de 2005. Um dia depois, os diques se romperam, provocando uma inundação que destruiu bairros inteiros e deixou 80% da cidade submersa.

Em análises e estudos feitos após a tragédia, especialistas concluíram que, caso tivessem sido construídos de maneira adequada, os diques poderiam ter suportado a tempestade.

No entanto, o próprio US Army Corps of Engineers (Corpo de Engenheiros do Exército dos Estados Unidos, agência federal de engenharia pública que projetou o sistema de proteção da cidade) admitiu posteriormente uma série de problemas na construção dos diques.

O projeto havia sido baseado em dados desatualizados, tinha design defeituoso e problemas de qualidade de materiais, resultado da falta de financiamento apropriado.

Moradores 

Quando os diques se romperam, cerca de 1,2 milhão de pessoas já haviam deixado a região afetada, que englobava também outras cidades próximas. Mas pelo menos 100 mil moradores haviam ficado para trás, alguns por opção, outros por não conseguirem sair por conta própria.

“Não se percebeu que tantas pessoas precisariam de ajuda, fossem idosos com problemas de locomoção ou pessoas pobres, que não tinham carro nem dinheiro para pagar um meio de transporte e deixar a área”, ressalta Frazier. “Além disso, não havia para onde ir.”

Muitos morreram afogados instantaneamente, outros sucumbiram a ferimentos dias depois. Famílias inteiras passaram horas em cima dos telhados, à espera de resgate.

“Não havia um plano para uma evacuação dessa magnitude”, observa Schlegelmilch.

O então prefeito de Nova Orleans, Ray Nagin, foi criticado na época por só ordenar a evacuação obrigatória da cidade na véspera da chegada do Katrina, o que teria dificultado a saída de parte dos moradores.

No entanto, os desabrigados acabaram passando dias nesses locais, sob calor intenso, sem água, comida, medicamentos ou segurança, em péssimas condições de infraestrutura e higiene que deixaram claras as deficiências e a desorganização na resposta imediata.

Danos e disparidades

À medida que a extensão da tragédia ficava mais clara, os americanos tiveram de confrontar a série de erros que deixaram o país mais rico do mundo, acostumado a enviar ajuda a vítimas de desastres em outras nações, tão vulnerável a tamanha devastação e incapaz de manejar a crise em seu próprio território.

O Katrina foi o desastre natural mais caro da história dos Estados Unidos, com danos calculados em mais de US$ 190 bilhões (R$ 977 bilhões), em valores revisados em 2024 pelo governo americano. Cerca de 200 mil casas foram totalmente destruídas ou seriamente danificadas.

O número de mortos, inicialmente estimado em 1.833 pessoas, foi posteriormente revisado para 1.392. A população de Nova Orleans, que antes era de aproximadamente 485 mil habitantes, caiu pela metade e até hoje não voltou ao nível de antes do Katrina, com 370 mil moradores segundo os dados mais recentes.

Apesar de o furacão e a inundação terem afetado tanto moradores negros quanto brancos, a resposta e a reconstrução deixaram claras as desigualdades sociais e raciais. Em Nova Orleans, 60% dos moradores são negros, e a taxa de pobreza nessa parcela da população é o triplo da verificada entre os habitantes brancos.

Muitos dos mais pobres não tinham seguro residencial e viviam em casas alugadas ou sem título de propriedade, dificultando o recebimento de auxílio financeiro para recuperar os imóveis. O aumento nos preços dos aluguéis após a reconstrução impediu que muitos voltassem para os bairros em que viviam.

Enquanto as partes turísticas e os bairros mais afluentes foram reconstruídos, áreas mais pobres e de maioria negra, como Lower Ninth Ward, que fica na beira do Mississippi e foi uma das mais devastadas, até hoje não se recuperaram completamente.

“Para quem está de fora, a cidade parece recuperada”, afirma Schlegelmilch. “Mas há muitas pessoas que nunca se recuperaram. Muitos partiram e nunca mais voltaram.”

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