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O que pode acontecer com Alexandre de Moraes ao virar alvo da Justiça dos Estados Unidos? Entenda o processo

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), é alvo de uma ação na Justiça dos Estados Unidos. (Foto: Gustavo Moreno/STF)

O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), é alvo de uma ação na Justiça dos Estados Unidos por suposta violação à soberania americana. O processo é movido pela Trump Media, ligada ao presidente Donald Trump, e pela plataforma de vídeos Rumble. O caso tramita em um Tribunal de Justiça federal sediado na Flórida.

Para especialistas em direito internacional ouvidos pelo Estadão, o processo é estranho às regras usuais do direito entre nações. O que, na prática, pode inviabilizar a tramitação do processo. Ainda que a ação seja levada adiante, sua conclusão jurídica pode ser nula, ou seja, não ter efeitos práticos. Por outro lado, na esfera simbólica, a ação contra o magistrado brasileiro provoca desdobramentos desde já.

As autoras da ação querem que Moraes seja processado enquanto pessoa física. O objetivo é manter o processo na alçada do direito internacional privado, evitando a tipificação do caso na esfera pública. Uma ação de teor público poderia colocar a jurisdição dos Estados Unidos de encontro à do Brasil, descambando em um ruído diplomático.

Segundo advogados, esse entendimento pode ser acatado pelas autoridades americanas, mas estaria em desacordo com o que vigora no País: por aqui, uma decisão de um ministro do STF, ainda que monocrática, representa a Corte, e não o magistrado que a assina.

“A decisão pode estar certa ou errada, mas é uma decisão do Supremo. Neste caso, a ação no tribunal americano não poderia ir à frente, porque você estaria acionando o Brasil, que é, como qualquer outro país soberano, imune à jurisdição de tribunais americanos”, afirmou Salem Hikmat Nasser, doutor em Direito Internacional pela USP e professor da FGV.

Mestre em direito internacional pela Universidade de Brasília (UnB), o advogado Pablo Sukiennik explica que, no território brasileiro, as decisões de Moraes representam o STF enquanto instituição, mas esse entendimento não é obrigatório ao juiz americano. “As regras do direito não são universais. Cada país define se é possível ou não. No Brasil, iria contra a União”, disse Sukiennik. “Mas a forma como funciona no Brasil não significa que seja assim em qualquer outro lugar do mundo.”

Dessa forma, o processo poderia ser admitido na seara pessoal, mas o conflito de interpretações quanto ao papel de Moraes – pessoal ou institucional – poderia levar a um processo à revelia, com uma jurisdição não reconhecendo a outra como legítima.

“Provavelmente, o Brasil responderá, quando citado, que (Moraes) é ministro do Supremo Tribunal, que está agindo enquanto ministro e que a decisão não é dele”, disse Nasser. “Moraes não irá se dispor a responder ao juiz americano. Ele vai ignorar e o máximo que haverá é uma resposta do STF.”

O processo alega que Moraes abusou de “decretos extraterritoriais” contra empresas americanas, violando a soberania dos Estados Unidos. No jargão jurídico, “extraterritorial” se refere a uma decisão cujo alvo esteja localizado fora dos limites de determinada jurisdição.

No caso concreto, a Rumble, com a concordância da Trump Media, argumenta que está sediada nos Estados Unidos e, sob as leis americanas, não deveria ter sido obrigada, por ordem de Moraes, a suspender o perfil de Allan dos Santos.

Para especialistas em direito internacional, o argumento da Rumble é estranho ao próprio conceito de extraterritorialidade. “(Moraes) não está dizendo para uma empresa da Flórida: ‘Olha, você aí, faça isso ou aquilo’. Ele está dizendo que, em relação ao território brasileiro, você vai ter que bloquear esses conteúdos, do contrário não deixo você agir aqui no Brasil”, explicou Salem Nasser.

“Se a atuação dessa empresa ocorre em território brasileiro, a empresa tem que se submeter às leis do Brasil. Não pode se valer da internet para dizer: ‘Não, eu tenho sede nos Estados Unidos, então eu não preciso cumprir as regras do Brasil’. Se uma empresa tem atuação no Brasil, ela precisa cumprir as regras brasileiras, inclusive de liberdade de expressão. A liberdade de expressão no Brasil é diferente da liberdade de expressão nos Estados Unidos”, disse Pablo Sukiennik.

Sukiennik define como “menor do que zero” as chances de uma condenação americana vir a ser cumprida no território brasileiro. “Tem uma série de requisitos para uma decisão judicial estrangeira valer no Brasil. Neste caso, a chance de a Justiça brasileira vir a determinar a execução de decisão dos Estados Unidos contra o Alexandre de Moraes é menor do que zero. Não tem a menor chance disso”, disse o advogado.

Por outro lado, em solo americano, a ação pode resultar em sanções pessoais ao magistrado brasileiro. O ministro do STF pode ser proibido de entrar no território americano ou de realizar compras de propriedades e outros ativos no país. As penas seriam análogas às baixadas por Donald Trump em 6 de fevereiro contra servidores do Tribunal Penal Internacional (TPI). A alegação contra o TPI também é de infração à jurisdição dos Estados Unidos.

Mesmo destinadas a Moraes enquanto pessoa física, tais medidas poderiam gerar mal-estar nas relações diplomáticas entre Estados Unidos e Brasil. É simbólico que, desde já, uma empresa ligada a Donald Trump integre o processo como parte. (Estadão Conteúdo)

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