O relacionamento amoroso entre um promotor de Justiça e uma advogada pode comprometer o andamento do processo de falência da Fazendas Reunidas Boi Gordo, que se arrasta nos tribunais de São Paulo desde 2002.
A disputa judicial, uma das maiores do país, envolve 30 mil credores e valores que chegam a R$ 5 bilhões. Aberta em 1988, a Boi Gordo pediu concordata em 2001 depois que um esquema de pirâmide financeira promovida pela empresa ruiu.
O romance envolve o promotor que passou a atuar no caso em 2009, Eronides Aparecido Rodrigues dos Santos, e a advogada Lívia Gavioli Machado, representante da massa falida no processo.
Lívia é advogada do escritório de Gustavo Sauer, síndico da massa falida, espécie de gestor dos ativos da empresa falida. Cabe a ela e a Sauer defender o interesse de todas as pessoas que tomaram prejuízo com a Boi Gordo.
Advogada e promotor começaram a se relacionar em outubro de 2019, segundo ela. Os dois negam que haja conflito de interesses. A ligação entre ambos foi comunicada em 11 de novembro do ano passado à juíza do processo, Paula da Rocha e Silva Formoso, pelos advogados da Forte Colonizadora, uma das partes acusadas de fazer parte do esquema de desvio da Boi Gordo.
Além de documentos sobre a participação do casal no processo, foram anexadas fotos de perfis dela em redes sociais que mostram uma relação de intimidade entre os dois. Em uma das fotografias, Lívia aparenta estar sentada no colo de Santos em uma reunião de amigos da qual também participa o síndico da massa falida, Gustavo Sauer.
O relacionamento entre promotor e partes do processo contraria dispositivos da lei, entre eles os artigos 145 e 148 do Código de Processo Civil. O primeiro diz haver suspeição do juiz quando o processo envolver “amigo íntimo ou inimigo de qualquer das partes ou de seus advogados”. O segundo, que a suspeição se estende para membros do Ministério Público, auxiliares da justiça e “demais sujeitos imparciais do processo”.
Ao comunicar o relacionamento, a Forte pediu à juíza do processo que suspendesse o andamento da ação e anulasse todos os atos de que o promotor Eronides dos Santos participou.
A magistrada negou o pedido para paralisar o processo sob o argumento de que a ação “traria evidente e imensurável prejuízo aos credores”, mas deu um prazo de 15 dias para que o promotor se explicasse.
“Não se desconhece a gravidade dos fatos aqui tratados”, disse a juíza em despacho. Ela afirmou ainda que a eventual anulação dos atos do promotor seria analisada “no processo principal e em cada incidente específico de forma separada”. O Ministério Público de São Paulo afirmou que correm procedimentos sigilosos envolvendo o promotor na corregedoria.
Procurado pela Folha, Eronides dos Santos disse que em 2 de dezembro declarou-se suspeito e que não atua mais no processo da Boi Gordo. A advogada Lívia Gavioli Machado afirmou que o relacionamento com o promotor começou em outubro do ano passado, quando ela diz ter deixado de atuar no caso.
Para Fábio Gentile, advogado especializado em processo civil, o afastamento do promotor não encerra o problema. “Em tese, todos os procedimentos que tiveram participação dele podem ser anulados, se a juíza entender que o promotor foi parcial”, disse.
Para o advogado da Forte, Roberto Iser Júnior, autor da representação, a decisão do promotor (comunicada a ele pela Folha) reforça as evidências de que há envolvimento entre Santos e Lívia, o que pode ter interferido na imparcialidade do processo. “Isso não tira a suspeita dos atos praticados no passado, que podem ser anulados por força dessa suspeição. O processo teria de ser novamente julgado”, afirmou o advogado. Na petição em que pede o afastamento do promotor, Iser Júnior aponta um segundo suposto conflito envolvendo Eronides dos Santos e o escritório de Gustavo Sauer, síndico da massa falida.