Sábado, 23 de novembro de 2024
Por Redação O Sul | 20 de agosto de 2024
O relator da reforma tributária no Senado, Eduardo Braga (MDB-AM), pediu ao governo que retire o pedido de urgência do texto para não trancar a pauta de votações da Casa durante todo o semestre. O Senado quer apreciar a proposta somente após as eleições municipais, uma vez que boa parte dos senadores deve se envolver nas disputas regionais. Braga não vê problemas se o texto for votado apenas no primeiro trimestre do ano que vem, mas o governo ainda não decidiu se acatará ou não a solicitação.
O Senado, ao contrário da Câmara, não tem pressa para discutir o tema. Esse tempo adicional pode ser positivo se os senadores decidirem encarar os problemas do texto, algo que os deputados preferiram ignorar. E há muito a ser enfrentado, como Braga demonstrou em entrevista ao Estadão, a começar pelo teto de 26,5% que os parlamentares impuseram à alíquota padrão.
Como disse Braga, da forma como a trava foi elaborada, a conta simplesmente não fecha. Não basta impor um teto e desconsiderar todas as exceções que foram agregadas ao texto final. A comparação feita pelo senador é útil para entender o que os deputados pretendiam, ao estabelecer uma alíquota máxima, e o que eles efetivamente fizeram.
“Você imagina o seguinte: pega um reservatório de água, ele transborda e você coloca uma tampa em cima. O que vai acontecer? Ou para de botar água ou transborda. Mas o que fizeram foi isto: encheram o tanque e meteram uma tampa”, explicou Braga.
Essas inconsistências, por óbvio, geram incoerências, como no caso do Imposto Seletivo, conhecido como “imposto do pecado”. O tributo deveria ser algo a desestimular o consumo de itens que geram externalidades negativas à saúde ou ao meio ambiente. Tudo indica, no entanto, que terá caráter arrecadatório. Setores mais bem posicionados politicamente, no entanto, conseguiram se livrar da taxação.
Enquanto refrigerantes foram sobretaxados, alimentos ultraprocessados ficaram fora do alcance do imposto. Não havia justificativa para sobretaxar os carros elétricos com o Imposto Seletivo, a não ser a necessidade de manter a competitividade dos carros com motores a combustão, que representam a maioria dos veículos produzidos no País. Já os caminhões ficaram livres da taxação, independentemente do combustível utilizado, assim como as armas.
“Eu acho que a gente não pode, no intuito de fazer a coisa certa, fazer da forma errada. Se tem um bem que eu quero taxar porque é importado, vamos ter coragem de criar um imposto de importação sobre esse bem. E não disfarçar o imposto de importação com o Seletivo”, afirmou o senador. “Era tudo que todo mundo sempre disse que não podia fazer com o Seletivo… Virar arrecadatório.”
Lamentavelmente, o maior dos problemas da reforma – a isenção dos itens da cesta básica – deve passar incólume pelo Senado. Para Braga, a inclusão das carnes na cesta deve gerar desequilíbrios, mas ele julga não haver espaço para retirá-las. O senador, inclusive, acusou a bancada ruralista de quebrar o acordo feito no Legislativo, no qual as proteínas teriam desconto de 60% na alíquota cheia.
Lideranças da Câmara, como esperado, não gostaram de saber que o Senado pretende levar todo o semestre para apreciar o texto. Em tese, a preocupação dos deputados é que os senadores cedam ao lobby de setores econômicos e acatem mudanças que acabem por elevar a alíquota padrão que eles julgam ter travado, ainda que o limite estabelecido no texto seja tão inócuo quanto o antigo teto de gastos. Mas, se o texto voltar para a Câmara apenas no ano que vem, a votação final pode se dar num ambiente completamente diferente, sem o comando de Arthur Lira (PP-AL).
A Câmara perdeu a oportunidade de regulamentar a reforma tributária com o cuidado que o texto merecia. Sem tramitar pelas comissões temáticas e sem um relator, o texto tramitou às pressas e foi aprovado a toque de caixa, também por pressão do governo. Espera-se que os senadores não cometam o mesmo erro e que aprovem um texto que dê fim definitivo ao manicômio tributário que se tornou uma marca do País. (Opinião/O Estado de S. Paulo)