Quinta-feira, 26 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 9 de junho de 2024
A tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul pode derrubar a arrecadação federal em cerca de 10% no terceiro bimestre e forçar o governo a contingenciar despesas para cumprir a meta fiscal diante da incerteza quanto à recuperação nos meses seguintes.
Estimativas internas dos técnicos da equipe econômica indicam que o RS responde por 8% a 9% do Produto Interno Bruto (PIB) do País e por 9% a 10% da arrecadação federal. Com a cobrança de impostos postergada e a economia local praticamente parada, espera-se pouca ou nenhuma receita vinda do Estado entre os meses de maio – quando começaram as enchentes – e junho. Ainda assim, não se prevê mudança da meta de déficit zero.
Para o segundo semestre, a expectativa é que a economia gaúcha cresça o dobro do restante do País, como efeito dos recursos destinados pelo governo federal para a recuperação do Estado. No entanto, cálculos da área econômica indicam que as receitas não se recuperarão na mesma velocidade. Por essa razão, os impactos das enchentes vão afetar a execução orçamentária ao longo do ano, comentou uma fonte.
Caso a tese da União se confirme, pela primeira vez no governo Lula haveria um contingenciamento de recursos, que é a contenção de despesas realizada com o objetivo de garantir o cumprimento da meta de resultado primário. Até o momento, só houve um bloqueio no ano, de R$ 2,9 bilhões, que é feito quando o limite de despesas do arcabouço fiscal tende a ser ultrapassado. O valor foi desbloqueado em maio.
No relatório bimestral de maio, a União projetou déficit de R$ 14,5 bilhões em 2024, dentro do intervalo de tolerância do arcabouço fiscal para cumprimento da meta zero este ano. A regra permite que o déficit varie 0,25% do PIB para cima ou para baixo, o que significa permissão para rombo de até R$ 28,8 bilhões neste ano.
As despesas com a emergência no RS são calculadas fora das regras fiscais. Não são computadas no limite de despesas do arcabouço nem contam para o cálculo do resultado primário. Porém, a tragédia no Estado tem impacto na arrecadação federal e, consequentemente, na meta fiscal.
Dados do Ministério do Planejamento mostram que, até o momento, foram liberados R$ 20,7 bilhões em recursos federais para o Estado. O governo gaúcho foi autorizado a não pagar a dívida com o Tesouro Nacional pelo período de três anos, ao longo dos quais não incidirão juros sobre o saldo devedor. O Conselho Monetário Nacional (CMN) autorizou esta semana linha de crédito de R$ 15 bilhões para empresas gaúchas.
Contingenciamento
O contingenciamento de despesas no próximo relatório bimestral teria também o efeito de indicar ao mercado financeiro o compromisso do governo com a meta de zerar o déficit das contas públicas este ano. Dúvidas quanto à condução da política fiscal são frequentemente apontadas por analistas como fatores que contribuem para momentos de maior tensão.
A ala política do governo resiste à ideia de congelar gastos, sobretudo se afetar investimentos. As decisões sobre bloqueios ou contingenciamentos passam pela Junta de Execução Orçamentária (JEO), colegiado formado pelos ministérios da Fazenda, Planejamento, Casa Civil e Gestão.
Felipe Salto, economista-chefe e sócio da Warren Investimentos, avalia que o governo terá de fazer contingenciamento independentemente do impacto do Rio Grande do Sul na arrecadação.
A Warren Investimentos projeta alta real de 7% para as receitas líquidas de 2024 frente a 2023. Já o governo, no segundo relatório bimestral, projetava alta real de 10,5%. “Não vai acontecer e, portanto, será preciso, sim, promover contingenciamento à altura para que se cumpra a meta fiscal”, diz Salto. Ele calcula que o governo precisa contingenciar pelo menos R$ 40 bilhões para cumprir o limite inferior da meta fiscal anual.
Na avaliação de Salto, ex-secretário da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo, o governo vai optar por fazer um contingenciamento mais contido, num primeiro momento. “Mas isso é só ganhar tempo. Há um encontro marcado com a discussão dos gatilhos para quando do envio do PLOA [Projeto de Lei Orçamentária Anual] de 2025, quando o governo precisará mostrar um cenário mais realista para 2024, base para elaborar o Orçamento do ano que vem.”