Um dos poucos indicados pelo ex-ministro da Saúde Nelson Teich, o secretário de Ciência, Tecnologia, Inovação e Insumos Estratégicos, Antonio Carlos Campos de Carvalho, deixou a pasta nesta sexta-feira (22) depois de pedir demissão por não concordar com o documento do ministério que orienta o uso da cloroquina em casos leves da covid-19.
Carvalho pediu demissão na segunda-feira (18) por discordar do documento com diretrizes para uso da cloroquina em casos leves, exigido pelo presidente Jair Bolsonaro e que levou à queda de Teich.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o secretário, médico, biofísico e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, afirmou que a decisão foi precipitada, poderia trazer riscos à saúde dos pacientes e aconteceu sem critérios científicos.
“Não participei (da elaboração do documento) e nem participaria. No momento em que o ministro pede para sair e as coisas começam a se agravar, com interferência direta em decisões que não se baseavam em critérios científicos, não dava para continuar”, disse Carvalho ao jornal.
A secretaria da qual Carvalho era titular é a responsável pelo acompanhamento de estudos e a avaliação da introdução de novos medicamentos no Sistema Único de Saúde.
O documento apresentado na terça-feira (19) – primeiro como sendo um novo protocolo, depois como “orientações” do ministério – foi apresentado em um modelo diferente do que costumam ser os protocolos do ministério e sem assinatura de médicos e secretários da pasta.
Na quinta-feira (21), depois da discussão sobre a falta de assinaturas no documento, o ministério divulgou uma nota em que dizia que as orientações vinham sendo discutidas pelo seu corpo técnico. “Para deixar clara a participação e o envolvimento de todas as secretarias, os titulares das pastas assinaram o documento ainda na quarta-feira”, diz a nota.
O documento a seguir vem com os nomes, não assinaturas, dos secretários do ministério. No caso da Secretaria de Ciência e Tecnologia, assina Vania Cristina Canuto Santos, como secretária substituta. Foi colocado no documento também o nome de Wanderson Kleber de Oliveira, secretário de Vigilância em Saúde, que está de férias.
Dos demais cinco secretários que assinam o documento, outros quatro são também substitutos. Na sua maioria, servidores da pasta que estão interinamente nos postos. A exceção é o secretário-executivo, Antonio Élcio Franco Filho, que é militar sem ligações com a área da Saúde.
O documento divulgado, apesar de ter sido apresentado pelo presidente como um protocolo, não tem o valor legal como tal, pois este tipo de documento precisa indicar medicamentos com eficácia comprovada cientificamente e tem um rito legal, inclusive com a publicação de uma portaria ministerial, e que precisa ser obrigatoriamente seguido pelo SUS.
A solução encontrada pelo ministério foi um documento com “orientações”, sem valor vinculante, seguindo o que autoriza o Conselho Federal de Medicina e que precisa da autorização do paciente para ser adotado.
Comprovação científica
Uma pesquisa científica publicada na renomada revista “The Lancet” com 96 mil pacientes aponta que a hidroxicloroquina e a cloroquina não apresentam benefícios no tratamento da Covid-19. Os resultados divulgados nesta sexta-feira (22) mostram que também não há melhora na recuperação dos infectados, mas existe um risco maior de morte e piora cardíaca durante a hospitalização pelo Sars CoV-2.
De acordo com os autores, os pacientes medicados com as substâncias apresentaram também risco maior de desenvolver arritmia cardíaca. A maior taxa foi vista em pacientes que receberam a hidroxicloroquina em combinação com os antibióticos: 8% ou 502 pessoas em um grupo de 6.221. O grupo controle, que não recebeu as substâncias, teve um índice de 0,3%.
Este é o maior estudo feito com pacientes infectados e internados com a Covid-19 e a prescrição de cloroquina e hidroxicloroquina.