Alguns seguidores de Jair Bolsonaro querem emplacar a versão de que ele perdeu a eleição porque era o candidato antissistema, anti “stablishment”. É possível que eles, sinceramente, acreditem nisso. É virtuosa e edificante a narrativa bíblica da luta entre Davi e Golias – sendo eles, é claro, Davi.
Mas é duvidoso que Bolsonaro sequer tenha noção clara do que seja o “sistema”. A rigor, não existe um “sistema” único, existem vários subconjuntos de instituições econômicas, sociais, religiosas e políticas. Porém a soma deles não resulta num conjunto final que guarde certa ordem e coerência, que se enquadrem num padrão reconhecível.
No regime democrático, esses agrupamentos, essas instituições atuam livremente e uma parte substantiva delas dá como natural a confluência de entrechoques internos, a busca frenética de supremacia – tal como no mundo da política. O dito “sistema” está mais para um arquipélago do que para um continente ou uma ilha.
Outros subsistemas – como as igrejas e as forças armadas – privilegiam a disciplina interna, a unidade de teoria e ação, de valores e princípios. Nesses, os laços internos de adesão e solidariedade são mais fortes. Neles, nas eleições recentes, o candidato amplamente dominante e vitorioso foi Jair Bolsonaro – no caso das igrejas por causa do apoio e do empenho decidido da maioria dos pastores evangélicos. Neles, Bolsonaro foi por excelência o candidato do “sistema”.
Outra parte relevante do sistema – comumente mencionado e entendido como o próprio “sistema” – o patronato, o agrobusiness, o empresariado “politizado”, por igual, entregou-se de corpo e alma ao candidato à reeleição: emprestaram-lhe apoio, financiaram a campanha e foram às ruas com o entusiasmo de militantes de esquerda. Mas o “sistema” econômico e produtivo é também composto de outros protagonistas pulsantes – trabalhadores, sindicatos, movimentos sociais – e estes votaram maciçamente em Lula.
Teria sido Bolsonaro o candidato de juízes, membros do Ministério Público, advogados? É mais provável que no “sistema” de Justiça os votos tenham se dividido. Nem mesmo na mídia, Bolsonaro foi o candidato antissistema. A grande imprensa – é verdade – não nutria por ele nenhuma simpatia. Mas a mídia hoje vai muito além dos jornais, rádios e tevês. Agora, as redes sociais são também o “sistema”. E nelas, o domínio de Bolsonaro foi asfixiante.
O “sistema” é amplo, tensionado, complexo, fragmentado, os seus subsistemas interagem entre si, e não raro celebram alianças em causas convergentes. Mas não há que falar de uma candidatura do sistema ou do antissistema.
No imaginário, há um “sistema” que domina nossos gostos, vontades e aspirações, dá as cartas e manipula os cordéis para satisfazer seus próprios interesses. Lutar contra ele é lutar “contra tudo que está aí”. É discurso manjado de todo arrivista na política. É a mais popular e improvável das teorias conspiratórias que circulam à nossa volta.
Bolsonaro em momento algum foi o candidato antissistema. Se há um “sistema” ou um conjunto de subsistemas, ele foi o candidato da parte mais significativa deles.
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