O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que medidas como a suspensão da carteira de motorista e a retenção do passaporte de pessoas que não pagam as suas dívidas podem ser usadas como instrumento de pressão, para forçar o desembolso, mas somente em casos excepcionais. Não vale, por exemplo, aplicá-las a situações em que o devedor simplesmente não tem o dinheiro para pagar. As informações são do jornal Valor Econômico.
Esse tema foi julgado recentemente e de forma unânime pela 3ª Turma do STJ. Os ministros analisaram o pedido de um credor para que essas medidas mais agressivas de cobrança – chamadas de atípicas no meio jurídico – fossem aplicadas contra um empresário de Mato Grosso.
Eles negaram o pedido. Não por considerar tais medidas como inviáveis, que possam ferir direitos previstos na Constituição, mas porque o caso, afirmaram, não se enquadrava nas hipóteses que consideram como as possíveis.
“Não se pode falar em inaplicabilidade das medidas executivas atípicas meramente em razão de sua potencial intensidade quanto à restrição de direitos fundamentais”, afirmou a relatora, ministra Nancy Andrighi, no seu voto (REsp nº 1788950). “O ordenamento jurídico pátrio prevê a incidência de diversas espécies de medidas até mesmo mais gravosas do que essas”, acrescentou, citando as hipóteses de despejo e busca e apreensão.
A relatora listou no seu voto os critérios necessários para a aplicação das medidas atípicas. Só podem ser usadas, segundo ela, depois de esgotados todos os meios convencionais de cobrança e nas situações em que o devedor tem patrimônio, mas o esconde para tentar se livrar do pagamento.
O juiz, para autorizá-las, além disso, deve fundamentar a sua decisão a partir das circunstâncias específicas do caso -não pode, por exemplo, somente citar a lei que permite o uso.
Em relação ao caso que estava sob julgamento, no entanto, apesar de ter ficado demonstrado no processo que houve o esgotamento dos meios tradicionais de cobrança, não se verificou que o empresário estivesse ocultando patrimônio. Ele aparentemente apenas não tinha o dinheiro para pagar a dívida.
Nesse caso, o pedido de suspensão da carteira de motorista e apreensão do passaporte, se acolhidos pelo Judiciário, acabaria servindo somente como punição e isso desvirtuaria a finalidade do mecanismo -que seria o pagamento dos valores.
Essa é a primeira decisão da 3ª Turma que se tem notícia sobre o tema, segundo advogados. Já há, no entanto, julgamento com resultado semelhante na 4ª Turma. Os ministros analisaram no ano passado um habeas corpus (RHC 97876) impetrado por um advogado do interior de São Paulo que teve a sua carteira de motorista suspensa e o seu passaporte apreendido por uma decisão de primeira instância.
Segundo consta no processo, ele tinha uma dívida de cerca de R$ 16 mil com uma instituição de ensino. O advogado recorreu ao STJ com a alegação de que a retenção dos seus documentos feria o seu direito fundamental de ir e vir, previsto pela Constituição Federal.
Os ministros da 4ª Turma entenderam, de forma unânime, que não poderia haver a apreensão do passaporte. Mantiveram, no entanto, a suspensão da carteira de motorista do advogado. “Ao contrário do passaporte, ninguém pode se considerar privado de ir a qualquer lugar por não ser habilitado à condução de veículo ou, ainda que o seja, esteja impedido de se valer dessa habilidade”, afirmou em seu voto o relator, ministro Luis Felipe Salomão.
“Podemos dizer que a 2ª Seção [que uniformiza as questões de direito privado, na 3ª e 4ª Turmas] unificou o entendimento de que é possível a suspensão da carteira de motorista como medida atípica”, diz o advogado Daniel Amorim Assumpção Neves, especialista em processo civil e sócio do escritório Neves, Rosso e Fonseca. “Só não dá para falar que esse é o entendimento final do STJ porque ainda não há precedente na 1ª e 2ª Turmas [que julgam os casos de direito público]. Como eles tratam de ações de improbidade e de execução, pela Fazenda Pública, pode ser que esse tema seja abordado.”
Essas medidas atípicas, para forçar devedores a pagarem as suas dívidas, começaram a ser aplicadas pelos juízes depois que o novo Código de Processo Civil (CPC) entrou em vigor, em março de 2016. O artigo 130 deu poderes aos magistrados para o uso de todas as medidas “indutivas, coercitivas, mandamentais ou subrogatórias” necessárias ao cumprimento de suas decisões.