Ícone do site Jornal O Sul

O Supremo deve dar a palavra final sobre mudanças na demarcação de terras indígenas

Medidas do novo governo para o setor podem ser questionadas na Justiça. (Foto: Agência Brasil)

A ideia do governo de Jair Bolsonaro de revisar demarcações de reservas indígenas e quilombolas, bem como as desapropriações de terra para reforma agrária, feitas na última década não deve ser encerrada com um simples ato do Executivo. O mais provável é que a questão seja levada ao STF (Supremo Tribunal Federal), responsável por julgar processos sobre o assunto.

Ao menos sete processos de demarcações indígenas aguardam o pronunciamento na Corte. Eles estão na pauta do plenário do dia 25 de abril. De acordo com a Constituição Federal, cabe à União demarcar as terras. E como é um direito previsto na Carta Magna, os casos acabam seguindo para o STF. Nos processos, normalmente são os Estados que questionam a demarcação, alegando prejuízos econômicos.

No governo federal recém-empossado, um novo tipo de processo deve ser inaugurado, a partir da revisão administrativa das demarcações. De acordo com o secretário especial de Assuntos Fundiários, Luiz Nabhan, isso será feito em caso de falha grave ou fraude. A tendência é que os povos indígenas recorram ao Supremo contra uma eventual decisão desse tipo, representados pelo Ministério Público.

Uma súmula do STF diz que, em caso de fraude, o poder público pode invalidar o ato. No julgamento desse tipo de causa, também caberá ao tribunal decidir se houve fraude no ato anulado. O processo mais rumoroso que o tribunal já julgou foi o da reserva Raposa Serra do Sol, no Estado de Roraima. Nesse caso, o problema envolveu a realização de uma demarcação contínua, e não segmentada – conforme o que pleiteava o governo local.

Polêmica

Nas primeiras horas de governo, Bolsonaro editou uma medida provisória e um decreto que esvaziam as principais atribuições da Funai (Fundação Nacional do Índio). Ele deslocou para o Ministério da Agricultura, instituição que representa interesses do setor agropecuário brasileiro, a prerrogativa de delimitar terras indígenas e de quilombolas, e de conceder licenciamento para empreendimentos que possam atingir esses povos.

Diminuir a concessão de demarcações de terras e destravar obras, como ferrovias e rodovias, em áreas próximas a comunidades indígenas eram reivindicações da Frente Parlamentar Agropecuária da Câmara, que representa os interesses de produtores rurais. Mas a decisão do novo presidente saiu melhor que a encomenda, segundo parlamentares do grupo, a chamada “bancada ruralista”.

No MPF (Ministério Público Federal) a reação foi bem diferente. Procuradores que atuam na defesa dos direitos dos indígenas estudam formas de contestar na Justiça as decisões de Bolsonaro. E a PGR (Procuradoria-Geral da República) já informou que todas as decisões do novo presidente sobre demarcação de terras “serão analisadas” para verificar se há “retrocessos” ou violações a direitos. Se a interpretação for de que há inconstitucionalidade, poderá ingressar com ações no STF pedindo a derrubada integral ou parcial das medidas.

O procurador da República Júlio Araújo, que integra o grupo de trabalho sobre demarcação de terras indígenas da 6ª Câmara do MPF, avalia que a transmissão das funções da Funai para o Ministério da Agricultura viola a Constituição. Segundo ele, essas medidas podem paralisar novas demarcações, já que o controle sobre a decisão estará nas mãos de uma instituição que representa ruralistas e que não teria, a príncipio, interesse em expropriar terras de produtores ou paralisar obras que possam beneficiar o escoamento da produção.

“O governo está indicando que não vai mais demarcar terras. A decisão vai ficar sob controle de um ministério que é contrário a esse interesse e que responde a um governo contrário a esse interesse”, diz o procurador Júlio Araújo.
“Membros do MPF podem questionar as medidas de Bolsonaro em juízos de primeira instância nos casos concretos de demarcação.”

Atualmente, quando há demora na demarcação de uma terra, o Ministério Público ingressa com ações judiciais e o juiz determina que o Executivo proceda à avaliação das terras. Em um cenário em que a decisão ficaria a cargo do Ministério da Agricultura, Araújo diz ser possível pleitear que o próprio Judiciário proceda à demarcação, sem esperar a atuação do Executivo.

Por sua vez, a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), principal organização indígena do país, recomendou às suas representações nos Estados que organizem “o ingresso na Justiça de uma ação popular requerendo judicialmente a nulidade dos atos praticados pelo presidente Jair Messias Bolsonaro”. Para a entidade, as decisões do novo presidente “destroem praticamente toda a política indigenista brasileira”.

Sair da versão mobile