Em busca de alternativas para reforçar o seu capital e evitar o descumprimento de regras internacionais de proteção contra crises econômicas, a Caixa Econômica Federal poderá se vir obrigada a devolver R$ 27 bilhões ao Tesouro Nacional. A área técnica do TCU (Tribunal de Contas da União) quer que a instituição monte um calendário de restituição do dinheiro recebido da União entre 2009 e 2013.
O Banco do Brasil, o BNB (Banco do Nordeste) e o Basa (Banco da Amazônia) também são cobrados por um cronograma de devolução de outros R$ 11,6 bilhões aportados pela União no período entre 2010 e 2015. Os respectivos montantes são de R$ 9,6 bilhões, R$ 1 bilhão e R$ 1 bilhão.
Assim como as emissões diretas de R$ 426 bilhões (em valores históricos, não atualizados) feitas pelo Tesouro para turbinar a capacidade de concessão de crédito do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), as emissões diretas de títulos para os demais bancos públicos também foram consideradas irregulares pelos técnicos da corte de contas, uma vez que não passaram pelo Orçamento.
Os técnicos recomendaram que o BNDES entregue um calendário 30 dias após apreciação do processo em plenário, levando em conta o cronograma de retorno dos empréstimos feitos com esse dinheiro. Agora, o entendimento da área técnica do TCU é que a mesma determinação deve ser aplicada às demais instituições financeiras.
A decisão, se ratificada pelo plenário do TCU, pode ampliar os embates entre o governo e os bancos públicos. Hoje, a equipe econômica trava uma batalha para que o BNDES devolva R$ 130 bilhões no ano que vem, além dos R$ 50 bilhões restituídos este ano. A sugestão dos técnicos da corte de contas tem um efeito ainda maior sobre as instituições financeiras oficiais.
Complexidade
A operacionalização da devolução do dinheiro pelos demais bancos, no entanto, deve ser mais complexa do que no caso do BNDES, segundo avaliação dos técnicos. Isso porque o Tesouro optou por fazer aportes com títulos públicos (e não dinheiro em espécie) por meio de IHCD (Instrumento Híbrido de Capital e Dívida). Nesse caso, o tomador paga juros variáveis, mas não tem prazo para quitar o valor principal da dívida – por isso, o valor pode ser contabilizado no capital da instituição financeira.
Como o IHCD tem o propósito de capitalizar as instituições, o dinheiro não está diretamente associado a empréstimos concedidos. Daí a dificuldade de estabelecer um cronograma de devolução. Segundo explicou uma fonte, o capital ampliado desses bancos permitiu um grau elevado de alavancagem para novos financiamentos, que em regra são de longo prazo.
O maior impacto dessas devoluções deve ser sentido pela Caixa, que já enfrenta dificuldades de capital e tem negociado uma operação de socorro para conseguir continuar emprestando sem precisar de uma capitalização do Tesouro Nacional.
Se o governo não quiser alterar a situação atual, principalmente devido à delicada situação da Caixa, uma opção é o Tesouro Nacional fazer operações combinadas: a devolução do dinheiro e um novo IHCD, no mesmo valor, desta vez seguindo o rito correto. Ou seja, o governo poderia desfazer a operação original, emitir títulos no mercado, colocar a previsão no Orçamento e então efetuar o novo instrumento híbrido de capital e dívida em favor da Caixa.
A modulação final dos efeitos da decisão e a orientação sobre os procedimentos a serem adotados cabem ao plenário do TCU, alertou a fonte. Um novo IHCD não teria impacto no resultado primário.
O governo atualmente estuda uma série de medidas para reforçar o capital da Caixa, entre elas a emissão de um bônus perpétuo pelo FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) em favor da Caixa e o repasse de parte da carteira de crédito do banco para o BNDES. As medidas buscam evitar que a Caixa descumpra as normas internacionais e fique impedida de continuar concedendo empréstimos.
Alerta
O IHCD em si não é uma operação irregular, mas sim o fato de a capitalização dos bancos ter sido feita com aporte direto de títulos públicos, em vez da integralização em espécie. O próprio TCU chegou a alertar em relatório da unidade técnica sobre a “aderência” dessas operações às regras prudenciais internacionais.
Já existe hoje no TCU um processo aberto para investigar a regularidade da autorização concedida pelo Banco Central para o aumento de capital regulamentar do Banco da Amazônia, originada a partir de operações de crédito com o Tesouro Nacional “em desacordo com a legislação específica”. O relatório das emissões sugere que outras apurações podem ser iniciadas para avaliar as operações realizadas com os outros bancos.