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O uso de recursos de inteligência artificial para manipular informações, principal preocupação do TSE para as eleições municipais deste ano, já começa a se espalhar na disputa política brasileira

Projeto prevê criação de sistema de fiscalização, proibições e critérios de uso, além de mecanismos de autorregulação. (Foto: Reprodução)

A temporada de fake news eleitoral já começou no País. Entretanto, com uma modalidade de conteúdo ainda mais difícil de ser identificado. No Amazonas, Rio Grande do Sul e Sergipe, a polícia investiga suspeitas de uso de inteligência artificial (IA) para criar áudios falsos de prefeitos que devem tentar a reeleição e de um deputado federal envolvido na pré-campanha da mulher chefe de executivo municipal, que também deve buscar a recondução ao cargo.

A técnica de adulteração de sons e de vídeos é conhecida como “deepfake’, no qual o tom, o timbre e até o jeito de alguém falar é recriado artificialmente. Assim, ao receber uma gravação pelo aplicativo de mensagens WhatsApp, o eleitor reconhece a voz do candidato e acredita que o político disse algo que, na verdade, não disse.

Um dos casos identificados ocorreu em Manaus, onde o prefeito David Almeida (Avante) denunciou à Polícia Federal (PF) ter sido alvo de deepfake no fim do ano passado. No áudio atribuído a ele, a voz do político, emulada por Inteligência Artificial, trata os professores da rede municipal de ensino de “vagabundos” e diz que os servidores “querem um dinheirinho de mão beijada”.

“O que mais tem é professor vagabundo que quer o dinheirinho de mão beijada. Eu não paguei o Fundeb, mas o povo esquece, tu vai ver”.

O áudio manipulado foi divulgado em meio ao protesto de profissionais pelo pagamento de abono oriundo de sobras do Fundeb. Almeida diz que o áudio é falso e tem o objetivo de criar indisposição com a categoria em ano eleitoral.

O episódio tem sido tratado como uma espécie de laboratório pela PF, que viu suspeitas de crime eleitoral e, por isso, assumiu as investigações. A ideia é usar o caso como modelo para eventuais apurações futuras relacionadas às disputas municipais deste ano. Desde que o inquérito foi instaurado, no último dia 22, dois suspeitos já foram ouvidos. Além disso, foi feita uma perícia no arquivo digital que constatou a manipulação no áudio.

Outro caso é do prefeito de Crissiumal (RS), Marco Aurélio Nedel (PL).
“Vou falar do aumento ano que vem (2024) (…) Depois vamos levando na conversa, entendeu? Pessoal com pouco estudo, analfabeto, já ganha demais.”

Em áudio compartilhado, o prefeito xinga funcionários do parque de obras, espaço da prefeitura, e achincalha servidores. O prefeito diz que o caso é uma tentativa de retaliação da oposição na cidade e que visa o processo eleitoral deste ano, quando concorrerá à reeleição.

Já Gustinho Ribeiro (Republicanos), deputado federal e marido da prefeita de Lagarto (SE), Hilda Ribeiro, diz que foi alvo de montagem por inteligência artificial na gravação em que a voz atribuída a ele critica adversários políticos. Ribeiro denunciou o caso a autoridades para investigação.

“Pode arrochar, bote pra f…, eles lá não têm poder nenhum, quem está no poder somos nós”.

Câmara e Senado devem acelerar a tramitação do tema. Ainda não houve, porém, uma conversa entre as duas Casas para definir qual texto terá prioridade. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) pretende avançar com o tema logo após o recesso. Ele entende que é papel do Congresso tratar da regulação e não vê como positivo o fato de o TSE editar regras.

O assunto não preocupa apenas parlamentares. O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, já declarou ser urgente a regulamentação do uso da inteligência artificial no país e indicou que políticos que forem pegos usando a tecnologia de forma irregular poderão ser cassados.

O TSE marcou para o próximo dia 25 audiência pública para discutir uma resolução que deve regulamentar como o tema deve ser tratado nas campanhas eleitorais. A sugestão da Corte é proibir qualquer manipulação de voz e imagens com conteúdo falso. Segundo minuta do tribunal, caberá às plataformas de redes sociais excluir vídeos e áudios após serem notificadas sobre os “fatos sabidamente inverídicos”.

Apesar de novidade no Brasil, o uso de inteligência artificial já gerou polêmica em campanhas eleitorais de outros países. No ano passado, a disputa pela presidência da Argentina foi a primeira a usar a ferramenta em larga escala. A maior parte do conteúdo era de imagens manipuladas, mas também houve vídeos, como a gravação falsa que mostrava o candidato peronista, Sérgio Massa, cheirando cocaína. A gravação foi editado digitalmente para inserir o rosto do político em outro homem.

 

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