Segunda-feira, 28 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 26 de setembro de 2022
Fernando Sabag Montiel estava detido havia algumas horas. E com duas obsessões que inquietavam quem o escutava. A primeira, que a Justiça pegue o militante que o espancou a ponto de lhe cortar a pálpebra direita, na noite em que quis matar a vice-presidente da Argentina, Cristina Kirchner.
“A pessoa que me acertou no olho é um homem baixo, moreno, esclareço que não era policial. A polícia nunca me bateu. Solicito que as câmeras sejam vistas”, afirmou.
A segunda obsessão é o “homem cinza”, de Benjamín Solari Parravicini. Para entendê-lo, é preciso voltar a 1941, quando aquele artista que Fabio Zerpa batizou de “o Nostradamus argentino”, fez um desenho e escreveu: “A Argentina terá sua ‘revolução francesa’, em triunfo, você pode ver sangue nas ruas se ele não vê o momento do homem cinza”. Oito décadas e um ano depois, Sabag Montiel disse que a personificou.
“Foi como um flash”, respondeu ele na noite de 1º para 2 de setembro, quando perguntado por que havia tentado assassinar a vice-presidente Cristina Kirchner. Mas ele se recusou a responder. “Não quero falar disso. Quero falar do ‘homem cinzento’”, insistiu.
O jornal argentino La Nación reconstituiu as ações do brasileiro, a partir dos testemunhos de quem falou com ele nos dias, noites e semanas que se seguiram. Esses depoimentos dão conta de um homem de 35 anos que está ciente de suas ações, e, portanto, pode ser julgado, mas que parece não entender a gravidade do que tentou, nem o horizonte que pode enfrentar de anos de prisão. Ao contrário.
“Fique calmo”, ele respondeu, quando tentaram explicar seu complexo quadro criminal. “Vou acabar absolvido por aclamação popular. Quando os promotores entenderem que o que fiz servirá para condenar Cristina, virão me aplaudir.”
Sabag Montiel, na verdade, confia que eles nunca o condenarão. “As pessoas vão me levar para sair”, disse ele, muito convencido, sem que seu rosto mostrasse uma feição irônica.
Antes e depois da noite de quinta-feira, 1° de setembro, o perfil psicológico e psiquiátrico de Sabag Montiel monopolizou as dúvidas. Sua história clínica nos hospitais da cidade de Buenos Aires é eloquente. Ele detalha sua “ansiedade extrema” e sua hipocondria. E, já preso, as primeiras críticas referem-se à sua “ideação mística com tendência à megalomania”, suas “ideias de tipo delirante”. Isso significa que é incompetente? Não. Mas parece que sua mente é singular.
Suas palavras e suas ações atrás das grades parecem confirmar isso, de acordo com o que La Nación reconstruiu. Até a sua transferência, na última sexta-feira, passou três semanas detido numa pequena cela da Unidade Operacional de Segurança Preventiva que a Polícia de Segurança Aeroportuária (PSA) tem no Aeroporto Jorge Newbery. Pelas características do local, ele permanece isolado sob constante vigilância de dois agentes.
É aí que Sabag Montiel faz comentários lógicos com outros dignos de “pensamento mágico”. Às vezes, “ele não mostra nenhum contato com a realidade”, dizem aqueles que tentaram iniciar uma conversa com ele. E essa desconexão é acentuada porque nenhum amigo ou parente foi visitá-lo em três semanas. Eram apenas seu defensor oficial, Juan Hermida, e os especialistas que avaliam sua saúde mental para o Ministério Público de Defesa. Foram pelo menos oito vezes.
O resto do tempo, ele mal fala e não é falado. Nem mesmo com sua namorada, Brenda Uliarte, lotada na cela ao lado até ser transferida, nesta sexta-feira, para presídios de segurança máxima. Apenas uma parede os separava. Eles poderiam se comunicar se falassem em voz alta. Mas era proibido levantar a voz ou gritar nas masmorras e, além disso, ela não demonstrou interesse.
“Brenda não quer falar comigo”, lamentou.
De alguma forma, ele sabe, no entanto, que perdeu proeminência. Ele percebe isso naqueles ao seu redor e observa, ou de alguma forma descobre. “Ele se sente desconfortável porque está sendo deixado como personagem secundário em tudo isso [por causa da tentativa de assassinato]. A relevância que Uliarte e Carrizo estão a assumir deslocou-o”, explicou uma das pessoas que com ele interagiu desde que esteve detido.
Desgrenhado, marginal, errático, narcisista, com tatuagens da mitologia viking – “Thor”, dizem alguns – e neonazistas que lembram os símbolos difundidos pela filial argentina da organização Atom-Waffen em seus cartazes e mensagens, Sabag Montiel ainda aparece como “motorista” e “vendedor de algodão doce”. Foi assim que ele se referiu quando a juíza federal María Eugenia Capuchetti estava prestes a investigá-lo. Sabag Montiel deixou claro que não era Hermida quem ele queria ali.
“Não quero este defensor”, disse ao magistrado. “Eu amo Luciani.”
O silêncio dominou a plateia por alguns segundos, até que explicaram que Diego Luciani não está encarregado de defender, mas de acusar. Mas nos dias que se seguiram à declaração do procurador federal no “caso da rodovia”, com Cristina Kirchner no banco dos réus, Sabag Montiel ignorou a explicação. “Quero Luciani”, insistiu. As informações são do jornal La Nación.