Pela primeira vez, o número de não leitores supera o de leitores no Brasil, com 53% da população declarando não ter o hábito da leitura, contra 47% que afirmam ler com certa regularidade. O alarmante resultado foi publicado na sexta edição do levantamento Retratos da Leitura no Brasil. A pesquisa, a mais abrangente envolvendo o assunto, aponta para a perda de aproximadamente sete milhões de leitores em apenas quatro anos. O levantamento considera tanto os livros impressos quanto digitais, sem restrição de gêneros de leitura. Se forem considerados somente livros inteiros lidos, no período de três meses anteriores à pesquisa, o porcentual de leitores é ainda menor, de 27%.
Não é preciso muita imaginação para compreender os efeitos extremamente danosos que referida pesquisa sinaliza para o Brasil. Já não são poucos os problemas relacionados à educação de base, correspondente aos primeiros anos de escolaridade, fato que compromete o futuro dos alunos de forma decisiva. Também a situação precária na qual vivem milhões de famílias brasileiras tem usurpado das crianças acesso a uma educação de qualidade, justamente naqueles dois mil primeiros dias de existência, nos quais as crianças aprendem a ler e a pensar de maneiras que lançam os fundamentos para o resto de suas vidas.
Nesse sentido, avaliar a leitura em nosso País assume uma condição estratégica, dado o impacto sobre a formação intelectual da sociedade e da conjugação de aspectos econômicos, sociais, culturais e políticos na raiz do fenômeno. Pioramos, de acordo com a pesquisa, algo que já vinha muito mal e é preciso escrutinar os porquês de tal desempenho.
Afora esse aspecto mais estruturante de nossa educação, que obviamente requer uma priorização que sempre tarda por parte dos governos que se sucedem sem que melhoremos de forma significativa nossos padrões escolares, há muitas transformações afetando o mundo da leitura, aqui e em todo lugar. A sociedade digital vem criando novos padrões de leitura e de captura da atenção das pessoas. Segundo uma pesquisa da Universidade da Califórnia, um indivíduo médio gasta diariamente cerca de 34 gigabytes em vários dispositivos. Isso equivale a aproximadamente 100.000 palavras por dia.
A grande questão aqui é a forma fragmentada com que referidas informações são processadas pelos leitores, em intervalos cada vez mais curtos. Além de comprometer a leitura mais profunda, as telas multicoloridas dos celulares e computadores, por sua frenética intermitência, até certo ponto roubam um precioso tempo que poderia ser dedicado a trechos de leitura mais longos, um livro, por exemplo, sem acrescentar o aprendizado real que somente ocorre com foco, concentração e atenção.
Um outro aspecto que pode ser objeto de reflexão em relação à leitura de livros é a dimensão de empoderamento e instrumentos de emancipação vinculados à busca pelo saber. Ler superficialmente trechos cada vez mais curtos, especialmente através de meios digitais, longe de ser tedioso, converte-se em uma distração, uma diversão, uma forma de entretenimento, o que compete diretamente com leituras de maior densidade. Será preciso, nessa perspectiva, muito mais do que um reconhecimento de que nossos padrões de leitura mudaram. Hoje precisamos harmonizar, talvez antes de simplesmente antagonizar, o universo digital que tomou conta de nosso cotidiano, com o encorajamento a ler menos em zigue-zague, ou “por cima”, e passar a prestar mais atenção, resgatando o leitor que ainda existe em cada um de nós.
Não se trata, logicamente, de nenhuma tarefa fácil.
A diminuição no número de leitores no Brasil em linha com uma fragmentação crescente da leitura digital e nosso crônico abismo educacional são preocupações da maior relevância para todos nós. Não havendo respostas fáceis, o caminho é envolver mais mentes em favor do escrutínio do problema apontado pela pesquisa a partir da consciência clara dos impactos de tal realidade para os destinos do Brasil.
Edson Bündchen
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