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Colunistas Os nossos Abelardos Leivas

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Os militantes de lá (redes sociais) mudaram a cabeça de muita gente em 280 caracteres. Em 280 caracteres eu não me convenço nem a tomar água. (Foto: Reprodução)

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.

Poeta e revolucionário, com um fraco para mulheres, agitador político dos botecos da boemia carioca e leitor entre as duas refeições espaçadas que fazia em um dia. Assim nos é apresentado Abelardo Leiva das “Recordações do Escrivão Isaías Caminha” de Lima Barreto, personagem, para mim, um dos mais memoráveis. Abelardo Leiva tinha energia – apesar de sua nutrição insuficiente – para discursar revoluções as mais sangrentas nas mesas de boteco em que reunia uma trupe de outros pés-rapados que, como ele, tinham soluções as mais simples para resolver todos os problemas mais complexos da humanidade.

Na nossa era, assim como no Rio que Lima Barreto caricaturou, esse tipo de indivíduo efervesce na internet, arena em que todos têm, guardados na gaveta de uma mesa de cabeceira, a cura do câncer, a vacina da aids e o Santo Graal. Eu tive o meu dia de Abelardo Leiva, tempos dos quais não me orgulho, e sei como é a sensação. Na frente de uma tela de computador a militância mais raivosa ganha corpo pelo anonimato e adeptos pela solidão pessoal tão presente nas pessoas de hoje. E ganha argumentos, sobretudo, pela facilidade da busca no Google. É preciso esclarecer no que isso nos prejudica. Em primeiro lugar pelo exemplo, em segundo lugar pela simplificação das coisas complexas. A discussão pública (e cibernética) no Brasil é pobríssima. Veja-se que a carreira política de um Pablo Marçal é coisa levada a sério quando ele leva para um debate uma velha caricatura: a de que todo esquerdista é, sem exceção, dado à vadiagem.

Se eu discordo dessa caricatura ou concordo, antissocialista que sou, não importa. Importa a falta de debate verdadeiro, de análise, de estudo, de aprofundamento. A política de uma cidade entregue à piada, à tirada, ao achincalhamento do adversário é coisa prejudicial a todos: esquerda, direita e centro. Outro exemplo é a falta de exigência dos frequentadores da rede social varrida do Brasil: os militantes de lá mudaram a cabeça de muita gente em 280 caracteres. Em 280 caracteres eu não me convenço nem a tomar água. O Abelardo Leiva, sobretudo, compartilhava com os militantes de hoje a indolência para com as coisas mais simples. Na mesa de um botequim em que desenhavam a próxima revolução, todos os participantes dividiam a fome, a preguiça de procurar melhores condições de trabalho, a falta de responsabilidade pessoal, a falta de inventiva, de iniciativa, mas a violência enérgica para discursar, debater e “resolver” os pepinos mais antigos da humanidade: a fome, o crime, o preconceito, a desigualdade.

Abelardo Leiva, eu confesso, tinha uma inocência (e até um certo romantismo) na sua atitude: queria revolucionar para tomar café, almoçar e jantar, coisas que não tinha. Ignorava que revoluções foram feitas seguindo a ordem oposta. Como dizia o Nelson Rodrigues: certos brios exigem um salário e as três refeições. Mas o militante de hoje, não. É o afago do ego o que busca no incessante debate de internet. É o calor da transgressão educada, a palpitação da demonstração de superioridade insegura, pensar estar vivendo o primeiro dia da história futura e o último dia dos tempos passados. É sedutor. Gustavo Corção disse sobre seus tempos revolucionários “nunca em toda a minha a vida fui tão sublime e tão estúpido.” Além disso, temos razões para crer que, como o Leiva, o revolucionário de Wikipédia goste mais, no fundo, de namoros e de dinheiro e abandone a revolução tão cedo coloque a mão nas duas coisas.

Matheus Pitaméia, advogado

  • matheus.pitameia@edu.pucrs.br

Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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