A angústia pelos mais de 200 sequestrados em poder do Hamas após seu ataque a Israel está no centro das atenções — mas o grupo palestino mantém detidos pelo menos dois israelenses há anos.
Muito pouco se ouviu falar sobre a etíope-israelense Avera Mengistu e o beduíno árabe-israelense Hisham al-Sayed, raptados em 2014 e 2015, respectivamente.
O Hamas alega que Avera Mengistu e Hisham al-Sayed são soldados, mas documentos oficiais israelenses vistos pela ONG Human Rights Watch afirmam que ambos são civis isentos do serviço militar.
Tila Fenta liderou uma campanha para libertar Avera e sente-se desiludida pelo Estado israelense — embora diga que a atenção internacional sobre os reféns de Gaza poderá agora ajudar a sua causa. Ela enfatiza que “ainda estamos em choque — todos os israelenses estão” desde o ataque do Hamas que matou mais de 1.400 israelenses.
Fenta acrescenta que os ativistas se sentem “arrasados” pelo fracasso de Israel durante todos esses anos em viabilizar o retorno de Avera e Hisham. Para ela, a falta de progresso em relação a Avera e Hisham se deve à origem desfavorecida de ambos, bem como à discriminação na sociedade israelense em relação aos judeus etíopes e aos árabes beduínos.
“Acho que Avera é um homem de quem a sociedade não gosta tanto, por causa da sua cor, doença mental e por ter crescido numa zona pobre de Ashkelon.”
“Acho que tudo isso fez com que ele não fosse desejado pela sociedade. Se ele fosse um pouco mais inteligente, ou de uma boa área, o tratamento seria diferente. Sei que não é hora de dizer algo ruim sobre o meu país, mas a verdade deve ser ser contada”, disse ela.
Na opinião de Fenta, as grandes organizações de direitos humanos também deveriam ter feito mais. “O mesmo vale para os beduínos”, acrescenta.
Restos mortais
Familiares de dois soldados israelenses mortos também têm que lidar com a agonia de o Hamas manter os seus restos mortais em Gaza desde 2014. Hadar Goldin e Oron Shaul foram mortos durante um confronto entre Israel e o Hamas naquele ano.
Aviram Shaul, irmão de Oron, diz que há quase 10 anos sua família não recebe notícias sobre onde está guardando o corpo dele, tampouco sinal de que ele será devolvido. Em 2014, o Exército encontrou o capacete e o colete à prova de balas de Oron num túnel do Hamas em Gaza. Mas, desde então, conta Aviram à BBC, “tenho a sensação de que os israelenses se esqueceram deles [os dois soldados mortos]”.
Negociação
Em 2011, após negociações secretas, Israel recuperou o soldado sequestrado Gilad Shalit — mas em troca de 1.027 prisioneiros palestinos detidos nas suas prisões. Agora, contudo, o país está determinado a exterminar o Hamas e vem bombardeando Gaza com ataques aéreos.
Portanto, qualquer nova troca de prisioneiros seria “difícil e polêmica”, dizem especialistas. À medida que aumenta o número de mortos em Gaza, a fúria dos palestinos contra Israel se intensifica.
Hagai Hadas, ex-comandante militar israelense e oficial de inteligência do Mossad, desempenhou um papel fundamental na negociação da libertação de Shalit.
Ele disse à BBC que tais acordos de prisioneiros com o Hamas eram “uma questão política” e no atual conflito, com tanta raiva israelense dirigida ao grupo palestino, “isso não vai acontecer, é impossível”.
Hadas enfatiza que a polêmica troca de Shalit era politicamente possível para o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu na época — ele se sentia suficientemente seguro — e o acordo havia sido finalizado dois anos antes da libertação do soldado israelense.
O Hamas — apoiado pelo Irã e considerado pelos Estados Unidos e pela União Europeia como um grupo terrorista — já exigiu anteriormente um preço elevado pela libertação de israelenses, que são normalmente usados como moeda de troca.