Quarta-feira, 05 de fevereiro de 2025
Por Redação O Sul | 5 de fevereiro de 2025
O advogado e ex-juiz Márlon Reis, um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa e conhecido como o “pai” da norma, criticou o projeto de lei complementar (PLP) que pretende reduzir o tempo de inelegibilidade previsto na lei de oito para dois anos. Em entrevista ao Estadão nessa quarta-feira (5), o ex-juiz afirmou que a alteração do tempo de inelegibilidade é “absurda” por tornar a pena ainda mais branda do que aquela que vigorava antes da Ficha Limpa ser aprovada, em 2010.
A proposta, de autoria do deputado federal Bibo Nunes (PL-RS), é encampada pela oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva na Câmara e tem como objetivo tornar Jair Bolsonaro elegível para a eleição presidencial de 2026. O ex-presidente acumula duas penas de inelegibilidade e está inapto a concorrer a cargos eletivos até 2030.
Na terça-feira (4), o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), disse que oito anos de inelegibilidade “é um tempo extenso”.
A Lei da Ficha Limpa originou-se de um projeto de iniciativa popular que contou com mais de 1,6 milhão de assinaturas. A legislação foi redigida por um conjunto de juristas, entre os quais Márlon Reis.
Até a aprovação da Ficha Limpa, a proibição para concorrer a cargos eletivos era de três anos após a data da eleição que levou à condenação. Esse prazo, na prática, permitia que um político condenado por abuso de poder em uma eleição geral pudesse cumprir a pena no intervalo até o próximo pleito para os mesmos cargos. O mesmo valia para o intervalo entre uma eleição municipal até a seguinte.
Reis alerta que, se aprovado, o projeto de Bibo Nunes tornaria a inelegibilidade inócua, pois uma condenação por abuso de poder em uma eleição geral estaria extinta após dois anos, a tempo de permitir a participação do político no pleito municipal subsequente.
O idealizador da Ficha Limpa explica que o prazo previsto pela lei possui o propósito, justamente, de afastar o político condenado de eleições para além daquela em que foi identificada a conduta de abuso de poder. “Oito anos significa passar pelo menos três eleições a mais, além daquela (que levou à condenação), sem participar. É um prazo bem razoável. Antes da lei da Ficha limpa, não ficava sem participar nem por uma única. Esse prazo de dois anos é tão absurdo que ele permite, por exemplo, que se participe já da eleição seguinte”, disse Márlon Reis ao Estadão.
Reis afirma que o projeto de Bibo Nunes é uma “afronta escancarada” à Lei da Ficha Limpa, mas ressalta que outras iniciativas que tramitam no Congresso minam o propósito da inelegibilidade de formas ”mais ardilosas”. Um exemplo é um projeto de lei complementar originário da Câmara que aguarda apreciação do plenário do Senado. O texto mantém a inelegibilidade em até oito anos, limitando as penas dos casos em que o prazo pode ser maior.
Além disso, o projeto estipula que a proibição só vale “aos comportamentos aptos a implicar a cassação de registros, de diplomas ou de mandatos”. Segundo Márlon Reis, o projeto, tal como redigido, restringe a inelegibilidade aos vencedores da eleição, retrocedendo ao que vigorava antes da Ficha Limpa. “Exigia-se que houvesse prova do impacto da conduta (de abuso de poder) no resultado do pleito. A Lei da Ficha Limpa proíbe expressamente que isso seja levado em conta”, diz o advogado.
A proposta que mina o prazo de inelegibilidade está em tramitação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) da Câmara, aguardando um parecer do relator Filipe Barros (PL-PR).
Em entrevistas, Bolsonaro reafirma que é candidato na próxima eleição, ainda que acumule duas penas por inelegibilidade e evite responder se acredita, de fato, que poderá revertê-las a tempo da próxima disputa presidencial. (Estadão Conteúdo)