O cenário de variantes com maior capacidade de evasão da imunidade e a queda da proteção conferida pelas vacinas com o passar dos meses levou uma série de países a adotarem uma quarta dose contra a covid, indicada pelo Ministério da Saúde a todos os maiores de 40 anos, além de profissionais da saúde e imunossuprimidos a partir de 18 anos.
No entanto, embora considerada segura e bem tolerada, especialistas explicam que os benefícios na ampliação dessa oferta a todos os adultos ainda não são um consenso, por isso o cenário de faixas etárias diferentes como público-alvo do segundo reforço pelo mundo.
“A quarta dose é recomendada, nesse momento, especialmente aos grupos mais vulneráveis, que são os idosos e os imunossuprimidos. Esses indivíduos têm o sistema imunológico mais deficiente, respondem de forma mais fraca à vacina e, com o tempo, tem uma diminuição na proteção conferida pela terceira dose”, afirma o médico infectologista Leonardo Weissmann, diretor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
“O reforço nesses casos tem a função de evitar que essa população fique mais vulnerável, evitando óbitos, mas ainda não há dados que justifiquem uma quarta dose para a população geral”, complementa.
Embora a intenção do governo seja ampliar o público a todos os adultos, o Comitê Técnico Assessor em Imunizações do Programa Nacional de Imunizações (CTAI – PNI), do Ministério da Saúde, optou pela não recomendação do segundo reforço a menores de 40 anos. Entretanto, cabe ao titular da pasta, Marcelo Queiroga, e ao governo federal a decisão final.
Esse benefício limitado aos grupos mais suscetíveis à doença acontece porque as vacinas aplicadas hoje foram projetadas a partir da cepa do vírus chamada de ancestral, descoberta ainda em 2019 na cidade Wuhan, na China. Porém, quando o patógeno sofre mutações relevantes a ponto de ser considerado uma nova variante, uma das consequências pode ser a capacidade de escapar de anticorpos gerados por infecção prévia ou vacinação, como é o caso com a ômicron e suas sublinhagens.
Por isso, o esquema de três doses tornou-se imprescindível para garantir a proteção contra desfechos graves observada antes contra a delta e suas antecessoras com apenas duas.
De acordo com um estudo publicado na revista científica The Lancet Respiratory Medicine, duas aplicações do imunizante da Pfizer/BioNTech reduzem em apenas 41% as hospitalizações no contexto da ômicron, eficácia que foi elevada a 85% com o reforço.
Assim, como a imunidade já é naturalmente mais baixa em idosos e imunossuprimidos, estudos começaram a ser conduzidos sobre os benefícios de uma quarta dose para esses grupos. Um trabalho publicado na revista científica New England Journal of Medicine, com base nos dados de mais de 1,2 milhão de pessoas com 60 anos ou mais em Israel, mostrou que a incidência de casos graves de covid entre os que receberam o segundo reforço foi 3,5 vezes menor.
Além disso, essa proteção não apresentou queda durante as seis semanas do estudo. No entanto, em relação à infecção sintomática, a taxa foi somente duas vezes menor, e essa eficácia recuperada com a quarta dose caiu rapidamente no período observado. Os pesquisadores destacaram a importância da aplicação no grupo para prevenir desfechos como hospitalizações, mas ressaltaram que a dose extra não é capaz de reduzir o risco para contaminação.
A vantagem para evitar quadros mais severos também foi vista nos Estados Unidos. De acordo com dados dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças do país (CDC), o número de óbitos por covid entre pessoas com 50 anos ou mais que receberam a quarta dose é quatro vezes menor do que aquelas com três aplicações.
Porém, em outro estudo conduzido em Israel, com 1.050 profissionais de saúde jovens e saudáveis, a quarta dose não gerou diferenças significativas nos números de casos da doença entre os grupos.
A realidade leva a decisões divergentes pelo mundo. Enquanto nos Estados Unidos a quarta dose é indicada àqueles acima de 50 anos e imunossuprimidos, no Chile o segundo reforço é ofertado a todos com 12 anos ou mais. Em Israel, um dos primeiros lugares a instituir a medida, podem se vacinar idosos a partir de 60 anos e pessoas consideradas “em risco de exposição”. Já a Agência Europeia de Medicamentos (EMA) é mais restrita, e orienta que o segundo reforço seja destinado apenas a pessoas acima de 80 anos.
No Brasil, o governo planeja estender a quarta dose a toda a população adulta ainda em 2022. Mas a pasta ainda precisa publicar a decisão em uma nota técnica para se tornar oficial. Na mesa, há a possibilidade de que a imunização se dê em clínicas particulares para as faixas etárias que ainda não foram contempladas. O governo federal permitiu no mês passado que empresas comprem vacinas contra a covid sem doação de doses ao Sistema Único de Saúde (SUS).