Ela nutre a esperança de sair do lugar pobre ou miserável em que vive e ir para um local melhor, onde seus sonhos serão realizados. Embarca, por isso, em uma promessa, mas descobre ter sido enganada. É trancafiada e explorada.
Essa mulher, vítima do tráfico de pessoas, iludiu-se porque buscava uma “vida fácil”, na opinião de 55% dos brasileiros. A noção de que a vítima do tráfico humano tem uma parcela de culpa pelo crime é respaldada pela metade da população do País, como mostra a pesquisa “Percepção da Sociedade Sobre o Tráfico de Mulheres”, realizada pelo Datafolha em parceria com a Associação Mulheres Pela Paz, que ouviu 1.585 pessoas.
O cenário, para o brasileiro, é real: 96% dos entrevistados acreditam que existe tráfico de mulheres no Brasil. Para 82%, o crime acontece em sua própria cidade. Outros 16% declararam conhecer alguma vítima, mesmo que só de “ouvir falar”.
“Essa ‘vida fácil’ é um indicativo do quanto as pessoas associam a ideia do tráfico à da prostituição. Todas as pessoas em situação de tráfico sonham com uma vida melhor”, diz Cláudia Luna, presidente do Movimento Contra o Tráfico de Pessoas.
A pesquisa, feita em oito capitais do País, mostra que a primeira ideia que vem à cabeça dos brasileiros quando se fala em tráfico de mulheres é justamente a da prostituição: 12% citaram a palavra.
A prostituição também é a mais citada quando se pergunta “o que é o tráfico de mulheres?”. Foi a resposta dada por 31% dos entrevistados, seguida por tráfico de pessoas (30%), desrespeito (26%) e escravidão (25%).
Olhar preconceituoso.
Para 43%, o tráfico acontece com o consentimento da vítima. Para Vera Vieira, diretora executiva da Associação Mulheres pela Paz, existe uma confusão entre tráfico de mulheres, contrabando de migrantes e prostituição com exploração sexual, sendo que a mídia, ao misturar esses conceitos, contribui para culpabilizar a vítima.
Segundo a pesquisa, 66% concordam com essa visão: a cobertura da imprensa sobre o tráfico de mulheres tem viés criminal. Para 87%, falta informação sobre o tema.
Para configurar o tráfico humano, é preciso haver recrutamento, transporte e alojamento de pessoas por meio de coerção, violência e cárcere privado, com a finalidade de explorar a vítima pela prostituição ou pelo trabalho, por exemplo.
Os casos são subnotificados. Segundo o último “Relatório Nacional Sobre Tráfico de Pessoas”, de 2013, organizado pelo Ministério da Justiça, foram registrados, entre 2005 e 2013, 545 casos na Divisão de Assistência Consular do Ministério das Relações Exteriores. Do total, 70% foram tráfico para exploração sexual, e 30% para trabalho escravo.
De acordo com Vera, 83% das vítimas do tráfico de pessoas são mulheres para fins de exploração sexual. “Você acaba caindo nessa construção de colocar a mulher na posição de objeto que está à venda, o que a gente chama melhor de ‘coisificação feminina’. As vítimas são jovens, entre os 18 e os 29 anos, pobres e têm baixa escolaridade, normalmente”, afirma.
Segundo ela, o tráfico de mulheres está dentro do “espectro da violência contra a mulher”. “Essa violência vem da desigualdade de gênero, essa construção milenar que coloca a mulher em condição de insubordinação em relação ao homem. Isso não é papo de feminista, as pesquisas mostram isso.”
A ideia de que mulheres e crianças são as principais vítimas do tráfico de pessoas é confirmada por 68% dos entrevistados. (Folhapress)