A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) publicou duas normas que ampliam de 24 para 658 o número de medicamentos veterinários com limitação de uso. A medida, adotada em 26 de dezembro, busca controlar a quantidade de resíduos dos insumos farmacêuticos em produtos como carne, leite e ovos.
Segundo a própria Anvisa, os principais riscos à saúde humana provocados pelos resíduos de medicamentos veterinários em alimentos estão relacionados a câncer, efeitos na modulação hormonal, alteração da pressão arterial e desenvolvimento de alergias, como à penicilina. As consequências podem variar em decorrência do tipo de medicamento e da quantidade utilizada.
Além disso, o uso indiscriminado de medicamentos em animais também é, de acordo com especialistas, uma das principais causas do desenvolvimento das bactérias resistentes, as chamadas superbactérias.
A decisão da agência preenche um vazio regulatório. Apesar de, anteriormente, apenas 24 medicamentos terem seu uso limitado, havia centenas de insumos farmacêuticos autorizados, entre antimicrobianos, antiparasitários, antifúngicos, hormônios e outras classes terapêuticas.
— Fizemos uma ampliação grande, que vai se refletir no aumento, também, da saúde do consumidor — afirma a gerente-geral de alimentos da Anvisa, Thalita Lima.
A normas usaram como referência o Codex Alimentarius, programa da agência das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) e da Organização Mundial da Saúde (OMS), além de regulamentações já estabelecidas nos EUA, União Europeia e Japão.
Risco real à saúde
A preocupação já é lugar comum em grande parte do mundo, mas, de acordo com a gerente da Anvisa, ainda não é tema prioritário para o consumidor brasileiro:
— Ainda há muito desconhecimento. Mas há risco real à saúde humana. Avaliamos o consumo agudo, a curto prazo, mas a preocupação é com as consequências decorrentes da exposição alimentar crônica. A longo prazo, esses resíduos também podem levar à resistência microbiana, que, por sua vez, pode causar resistência a antibióticos — diz Thalita.
Dados da OMS indicam que infecções causadas por bactérias resistentes provocam a morte de 700 mil pessoas por ano no mundo e, sem ações severas de combate ao problema, esse número deve chegar a um total de 10 milhões em 2050.
Em novembro passado, a organização realizou a Semana Mundial de Conscientização sobre Antibióticos. De acordo com a entidade, 80% do consumo total de antibióticos no planeta é destinado a uso veterinário.
Uma das orientações é a de que essa classe de remédios não seja usada nos animais para promover crescimento (ela atua na microbiota, ou flora intestinal, para aumentar a absorção de nutrientes) ou prevenir doenças.
Em 2017, o FDA, órgão americano similar à Anvisa, proibiu o uso de antibióticos sem prescrição veterinária e tornou ilegal o uso desses medicamentos para promover o crescimento animal. Mas no Brasil essa prática não só é permitida, como é padrão.
Assessor técnico do Conselho Federal de Medicina Veterinária, o médico-veterinário Fernando Zacchi confirma o uso corrente do antibiótico como promotor de crescimento.
— O papel do veterinário é fazer, de acordo com o sistema de manejo adotado, com que o animal atinja seu potencial genético — diz.
Por exemplo, o frango, ele explica, pode, em 45 dias, atingir dois quilos, com uso do antibiótico. Sem o remédio, só em 60 dias, afirma o veterinário, frisando que há outras formas de se alcançar o objetivo, usando itens como probióticos, prebióticos ou aditivos.
Na Dinamarca, a legislação já impede que os porcos sejam criados com qualquer tipo de antibiótico. Além do incentivo de políticas públicas, no país houve também ação voluntária. Os criadores aprenderam a melhorar a saúde dos animais, dando a eles mais espaço, melhorando a limpeza e a ventilação dos seus ambientes de confinamento e reduzindo o estresse que torna os animais mais suscetíveis a infecções.