Quarta-feira, 25 de dezembro de 2024
Por Redação O Sul | 8 de janeiro de 2024
As larvas da mosca soldado-negro poderiam consumir os resíduos orgânicos dos astronautas.
Foto: ReproduçãoNo início era apenas uma flor, mas Emmanuel Mendoza, estudante de graduação na Texas A&M University, tinha trabalhado duro para ajudá-la a florescer. Quando essa coisa de cinco pétalas despontou de sua coleção de ervilhas inglesas no final de outubro – e depois surgiram mais flores e até vagens de ervilha – ele pôde ver, um pouco melhor, o futuro que poderia prever em outro mundo, a milhões de quilômetros da Terra.
Não eram plantas de ervilha comuns. Algumas tinham sido cultivadas em solo projetado para imitar o inóspito regolito de Marte, a mistura de rochas e minerais granulados e erodidos que cobre a superfície do planeta. A essa simulação de regolito Mendoza tinha adicionado um fertilizante chamado frass – resíduos deixados depois que as larvas da mosca soldado-negro acabam de comer e digerir. Essencialmente, esterco de insetos.
O objetivo de Mendoza e de seus colaboradores era investigar se o frass e os insetos que o criavam um dia poderiam ajudar os astronautas a cultivar alimentos e gerir resíduos em Marte. As larvas da mosca soldado-negro poderiam consumir os resíduos orgânicos dos astronautas e transformá-los em frass, que por sua vez poderia ser usado como fertilizante para cultivar plantas naquele solo alienígena. Os humanos poderiam comer as plantas e até mesmo alimentos produzidos a partir das larvas, produzindo mais resíduos para que o ciclo continuasse.
Embora esta talvez não venha a ser a forma de os astronautas cultivarem alimentos em Marte, eles terão de cultivar alimentos de algum jeito. “Não conseguimos levar tudo conosco”, disse Lisa Carnell, diretora da Divisão de Ciências Biológicas e Físicas da Nasa.
Mas o cultivo não requer apenas terreno, um pouco de água e um pouco de sol. Também requer ingredientes bem animados: os insetos, como as moscas soldados-negros, e os microrganismos que mantêm esses sistemas ecológicos em funcionamento. Uma estadia de longo prazo em Marte não vai envolver apenas humanos. Também vai exigir coisinhas rastejantes nas bagagens, nas quais a maioria das pessoas não pensa quando imagina bravos exploradores pisando em novos mundos.
Tempo longe
“Hoje em dia, quando você vai ao espaço, é tipo fazer uma longa viagem de acampamento”, disse Scott Parazynski, ex-astronauta da Nasa que passou quase dois meses no espaço. Os astronautas levam comida liofilizada (e intensificadores de sabor, como molho picante). Quando estão na Estação Espacial Internacional, eles podem ver, mas raramente consumir, verduras frescas de uma plantação experimental de alface.
“É muito diferente da cozinha e da prateleira de temperos aqui embaixo”, disse Parazynski.
Mas, para ficar por um bom período na superfície de Marte, os astronautas não poderão contar com suas despensas espaciais. Vão precisar de lavouras marcianas. E as lavouras marcianas vão precisar de um pouco de ajuda – talvez de larvas de moscas soldados-negros e suas excreções.
“Elas são muito vorazes”, disse Hellen Elissen, pesquisadora da Universidade de Wageningen, nos Países Baixos. “Comem quase tudo”. E, se elas são bem alimentadas, produzem muito frass.
Nos últimos cinco ou dez anos, os cientistas começaram a usar esse frass – rico em nitrogênio, potássio, fósforo e também bactérias – como fertilizante. O material também contém quitina, proveniente do corpo dos insetos, e sobras de matéria orgânica. Elissen publicou recentemente um artigo de revisão sobre como o frass afeta as plantas e o solo, e uma de suas principais conclusões foi que o valor dos resíduos dos insetos coincide com o valor de sua alimentação. Dar só grama? Frass ruim. Dar às larvas restos de comida com maior energia? Maravilha.
“Você sabe aquilo que sempre dizem: ‘você é o que você come’?”, disse ela. “O mesmo vale para as larvas”.