Pau que nasce torto… Dito popular que anuncia – e, às vezes, denuncia – que mesmo belas ideias, quando não cuidadas desde a fecundação, podem transformar-se em verdadeiros monstrengos.
Falou-se muito em Reforma Trabalhista. Muita gente que nunca conviveu com a matéria, só dela sabendo algo por ouvir dizer, resolveu ensinar o que nunca aprendera. Vi, inclusive antes do projeto ser dado à luz, debates – até agressivos – de polemistas que conheciam muito pouco da CLT, nada do projeto e jamais haviam tido a mínima curiosidade de saber de onde vem, como se foram constituindo, a que ponto chegamos, em nome de que princípios se desenvolveu esse ramo do Direito, chamado Direito do Trabalho. Muitos dos “litigantes” não se tinham apercebido que o Direito do Trabalho é fruto da necessidade de encontrar-se uma resposta convincente que auxiliasse na reforma das injustas estruturas sociais. Foi o solidarismo, proposto e defendido na Encíclica, “Rerum Novarum”, pelo papa Leão XIII na segunda metade do século XIX, inspirada no solidarismo cristão.
A mais valiosa criação do Direito do Trabalho foi o Direito Coletivo do Trabalho que recolheu da vida prática o que ela construira.
Daí a necessidade de agilizar formas jurídicas que pudessem regularizar a vida, não mais de “a” ou de “b” (isto é, de um empregador ou de um empregado) mas de disciplinar a relação de grupos de trabalhadores, com interesses similares, vividos na empresa. Nessa realidade fundamenta-se o princípio dos “nós” laboral, que é a razão de ser da criação do Sindicato (e dos protótipos), já na fase – ainda que inicial – da sociedade industrial.
Elevado o Sindicato à condição de “grande negociador”, como ensinava Mestre Evaristo de Moraes, adotaram-se novos mecanismos no mundo jurídico, tais como a Convenção Coletiva e/ou o Contrato Coletivo – originariamente um só instrumento – conforme o encontrássemos na sua versão francesa ou italiana (com o tempo distinguiram-se).
Equipou-se o Direito para a necessidade de enfrentar as questões coletivas de fábrica, a natureza conflitiva ou assistencial do sindicato, a postura reativa de governos autoritários e os múltiplos episódios incidentais na relação.
Formou-se assim o alicerce para, sofridamente (falo “naqueles tempos”) inventar-se, como o Contrato Coletivo (cuja natureza jurídica, até hoje – Contrato – Lei, Contrato sobre Contrato, Contrato Normativo etc etc) – não foi pacificada pela melhor doutrina. Na prática, ainda que não queiram aceitar radicais extremados à esquerda, era – e continua sendo – o Sindicato, filho dileto do Capitalismo negociado mas também é enteado – conforme as circunstâncias – do protecionismo estatal, com “molho de cobertura”, de princípios originários e identificadores do ideário socialista.
E a Reforma Trabalhista brasileira? Quais os juslaboralistas de nome próprio que a redigiram? Talvez os próprios autores tenham constrangimento de assumir publicamente a paternidade de projeto tão malsucedido.
A Reforma é órfã, abandonada por pai e mãe. É a Reforma mais reformada que já existiu, tanto no seu período de gestação parlamentar (moeda de troca no toma “la-da cá” envolvendo privilégios e vantagens indevidas) quanto na pia batismal.
Aprovada em negociações – quase escrevo negociatas – com momentos claro-escuros, relacionadas – por que será? – com liberações de emendas em favor de deputados (que, na prática, quanto ao seu importante conteúdo, a ignoraram, como ignoraram tantas coisas que, pelo menos, deviam querer saber) e pelo Senado (que ameaçou rejeita-la, se não mudasse, pelo menos, 23 ou 24 artigos fundamentais) e acabou apoiando o que ameaçava rejeitar, em nome da manobra malfeita da medida provisória.
A verdade é que a Medida Provisória de Temer feriu de morte a lei (legicidio, se me permitem o neologismo) que ele, incoerentemente, estava, ao mesmo tempo, sancionando e, na prática, vetando.
Feiticeiro de feitiço patético, subscreveu, sem reservas morais, ao mesmo tempo, a certidão de nascimento e o atestado de óbito, tanto num caso como no outro – e ambos o que é muito pior – numa criminalidade jurídico – política explícita.
Só que a Medida Provisória pôs suas diretrizes em andamento: de imediato, aprovando e/ou reprovando disposições contidas na lei. Até aí se passou a viver uma situação esdruxula, que ridicularizava e, mais, quebrava a moralidade hierárquica do ato de legislar. Mas – e sempre há um mas adversativo no caminho das ilegitimidades – a medida provisória vale logo mas, enviada ao Congresso, tem um prazo para ser aprovada e transformada em lei; se não, deixa de existir.
Maneira pensada para reduzir o grau de autoritarismo legislativo nas mãos do Executivo.
Ocorre que já, há muito, alertava o ditado latino: “dormientibus non succurrit jus” (o Direito não ampara os que dormem). E o tempo passou de repente e só Carolina não viu, como no samba de Chico.
A desatenção – um pouco mais e sendo bondoso – a negligência dos parlamentares levou ao caos. A medida provisória acabou e, com ela todos os seus efeitos – que produziram milhares de situações que, agora, lutam para sobreviver – numa vida post mortem que é menos para o campo do Direito e muito mais para uma solução entre o crente e, até mais, quem sabe, o esotérico.
Por isso, repito, “pau que nasce torto”…
P.S. Como parlamentares mais atentos – poucos, na verdade – aperceberam-se, há mais tempo, que, com essas normas e a desatenção (para ser bonzinho) dos parlamentares podia acontecer o inusitado (que aconteceu mesmo), elaboraram uma regra – ela também questionável – dizendo que o que aconteceu enquanto a medida provisória vigorava, continuaria valendo.
Solução altamente discutível! Fico tentado dizer: “pior a emenda que o soneto”, aproveitando a sabedoria que alguns chamarão de antiquada.