Quinta-feira, 14 de novembro de 2024
Por Luciana Mânica | 9 de julho de 2024
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul. O Jornal O Sul adota os princípios editorias de pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência.
Dedico esse texto àqueles que ainda acreditam que leite dá em caixinha e a todos os pecuaristas de sangue e coração. Escrevo essas linhas, porque se de relance não me enquadram na lida forense; a depender da vestimenta, me tarjam por demais fora “dos quadros” gaudérios.
Ao mesmo tempo, do sotaque vivo e retumbante, mesmo que 30 anos longe do campo, por vezes “me chamam de grosso, e eu não tiro a razão”, como diria Gildo de Freitas, desdenhando um conhecimento prático e teórico, que vem se aprimorando na minha reconciliação com a tradição.
Passado esse recesso, de antemão alerto que o modus operandi campesino mudou e muito. Não tem mais “gritos de bamo cavalo, toca, toca, êra, êra” como diria José Cláudio Machado. A anarquia, a “jaguarada”, o guizo, a marcação com pialo não são mais bem-vindos na lida com o gado. E a graça? “Tá nos pila!”.
A velha farra no campo foi banida para evitar a perda de rendimento. Gado estressado não evolui no ganho de peso; a ausência da boa técnica no manejo e na aplicação de vacinas, gera hematomas e abcessos, “pagando o preço” na hora do abate. Surgiu até “pistola Nutella”, tentando passar a perna na gauchada.
Te acautela “índio véio”, têm coisas na tradição que são imutáveis, a bombacha pode até virar slim, mas a tal prega na região do pescoço é indispensável. Mas atente, selvageria não é mais aceita. A gritaria cede lugar à “ópera” e à “lida tântrica”. Termo este que, com a devida vênia, já nominei. Agora tudo é feito com muita parcimônia e no tempo da boiada. Inclusive cabe parafrasear o velho ditado, se não é o “poste que mija nos cachorros”, é o “gado que manda no proprietário” (para não dizer algo mais sólido).
Fato é que hoje em dia, boi no campo está mais bem cuidado que pet de madame na capital. De qualquer sorte, é inegável que o conhecimento do comportamento dos animais e o uso de estratégias de manejo racional, geram ganhos diretos e indiretos na produtividade e na qualidade dos produtos deles originados. E a evolução no setor pecuário vai mais além.
A chamada pecuária de precisão inclui o uso de sensores de atividade e saúde dos animais, sistemas de rastreamento de GPS, de automação de pastagem e de monitoramento do ambiente. A melhoria da produtividade está diretamente ligada à tecnologia que vem sendo aplicada na evolução genética, na alimentação, nos suplementos, nas vacinas e nas práticas de bem-estar animal.
Isso tem levado o Rio Grande do Sul a abater novilhos cada vez mais jovens, resultando em maior giro para os pecuaristas e mais sabor para os apreciadores da carne. Aqui entra o cuidado não apenas em satisfazer o consumidor mais exigente, mas também, em cumprir requisitos complementares para poder adentrar no mercado externo.
Vê-se que o pecuarista atual é um empresário de mão cheia e está sempre de olho na taxa de desfrute, que é um verdadeiro KPI (Key Performance Indicator). Quanto maior a taxa, maior será o índice de produtividade interna do rebanho. E nesse meio tempo, ainda tem que saber lidar não apenas com o gado, mas com as intempéries do nosso Estado: ora são secas homéricas, ora chuvas catastróficas; falta de luminosidade de um lado, excesso de umidade de outro.
E o cuidado não para por aí. Os pecuaristas estão atentos aos valores e à realidade do mercado, no Brasil e no exterior. Vale recordar que as atividades agropecuárias foram responsáveis por 44,2% do crescimento do PIB nacional no ano. Hoje, a participação do setor representa 7,2% do PIB total de 2024.
Não é à toa que a Expointer, um dos maiores eventos agropecuários da América Latina, com recorde de público e de comercialização, com quase R$ 8 bilhões em negócios, em 2023, tem sua 47ª edição confirmada. Será de 24 de agosto a 1º de setembro, no Parque de Exposições Assis Brasil, em Esteio, mesmo após as catástrofes ocorridas no nosso Estado.
Certamente esses números são alcançados com a aplicação das práticas de bem-estar animal, atingindo benefícios significativos aos bovinos e aos trabalhadores, além de aumentar a produtividade e qualidade dos produtos finais, tornando o sistema produtivo mais eficiente, competitivo e sustentável. Do exposto, a solução é simples. Vamos deixar a gritaria para o baile, a tertúlia e o arrasta-pé, e o manejo estilo “tântrico”, para a lida com o gado e para tudo aquilo que o “índio” mais quiser.
E quanto à minha dicotomia, entre o “juridiquês” e a gauderiada, me resta parafrasear trechos da música “Perfil Gaúcho”, de Miro Saldanha: “Quem nasce na pampa bruta, já sabe a luta como será.
Quem dorme sobre um pelego, não tem apego ao que o ouro dá. Quem tem o corte pra lida, empurra a vida e sabe que Deus dará”. De todo esse alvoroço, da gritaria para o manejo acurado, complemento com letra do Saldanha: “eu tenho o perfil de um povo que mescla o novo e a tradição”, ficando claro que mesmo adepta à “pecuária tântrica”, me resta citar os Ferreira: “sou bagual que não se entrega, assim no mais”. E tenho dito!
Luciana Manica, advogada e pecuarista. Membro do Grupo Front.
Esta coluna reflete a opinião de quem a assina e não do Jornal O Sul.
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