O aumento no número de casos de covid nas últimas semanas, em decorrência
do relaxamento das medidas de prevenção e do aumento natural da
transmissibilidade de vírus respiratórios nessa época do ano, já pode ser sentido nos consultórios e deve servir de alerta para as pessoas – inclusive crianças maiores de 2 anos de idade – continuarem (ou voltarem) a usar máscaras em ambientes fechados.
O alerta é da pediatra Ana Escobar. “Neste momento, eu falo ‘se vocês forem em ambientes fechados, ponham uma mascarazinha, que eu garanto que é uma boa dica para adultos e crianças acima de dois anos’”, disse a professora livre-docente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo.
“Agora é tradicionalmente época de muitos vírus respiratórios como rinovírus,
metapneumovírus, influenza, parainfluenza, covid, vírus sincicial respiratório (VSR), que dá bronquiolite nas crianças pequenas, e estamos vendo prontos-socorros lotados por causa das doenças que aumentam muito no outono e no inverno”, explica a pediatra.
O número de casos dessas infecções pode ainda estar sendo potencializado pelo fato de muitas crianças terem ficado isoladas nos dois últimos invernos, com os adultos indo para a rua de máscara, portanto menos expostas aos vírus que poderiam ter estimulado seus sistemas imunológicos a criar anticorpos.
“Agora, essa criança está sendo bombardeada, indo para o confronto aberto, sem a defesa ativada contra essa quantidade de vírus”, muitas vezes mais de um ao mesmo tempo, diz. “Crianças estão se ressentindo muito.”
Ela avalia que os números oficiais da covid podem não estar refletindo a realidade porque muitas pessoas, algumas com sintomas fracos, têm utilizado para o diagnóstico os autotestes, que podem ser feitos em casa, mas não são traduzidos em notificações aos órgãos de saúde.
“Junto com isso, houve esse relaxamento natural do uso de máscara devido à
diminuição do número de casos de covid. Então, muita gente está agora resfriada, gripada, e falando ‘é a minha alergia, a minha asma, que voltou, uma friagem que eu tomei, porque eu passei frio’ e não faz o teste de covid. E sai por aí espalhando covid para todo mundo. Só que, se começar a pegar grupo de risco, pode não ser muito bom”, vaticina.
Se a covid ainda preocupa, o mesmo não se deve dizer da varíola dos macacos, que ganhou o noticiário nas últimas semanas, diz a pediatra com mais de 40 anos de consultório.
Segundo ela, as pessoas seguem muito alarmadas pela pandemia, que ainda não pode ter seu fim decretado, mas os riscos para essas outras doenças são baixos. A varíola dos macacos foi identificada em 1958 e novos casos aparecem de tempos em tempos.
A transmissibilidade dela, no entanto, é muito mais baixa do que a versão humana, considerada extinta do planeta desde a década de 1980 e com vacina conhecida, porém fora do calendário e das linhas de produção dos laboratórios devido à falta de necessidade – não deve ser confundida com a da varicela, que é obrigatória para crianças no Brasil e mais conhecida como catapora.
Já a “hepatite misteriosa” merece um pouco mais de preocupação justamente
porque não se sabe o que provoca a doença – por isso, misteriosa. A hepatite é uma inflamação no fígado, causada em geral por uma infecção viral, explica a pediatra. A maior suspeita no momento é que a nova doença seja resultado de uma interação entre o adenovírus – que provoca diarreia e doença respiratória – e o SARS-CoV-2, causador da covid, que faria o corpo produzir anticorpos contra o próprio fígado.
A certeza que se tem é que não há relação dessa hepatite com a vacina contra o
novo coronavírus, até porque as crianças que a tiveram não estavam vacinadas. Se for confirmada a relação entre os dois vírus, o imunizante contra a covid ajudaria a conter também um eventual surto da inflamação no fígado.
E Ana Escobar é otimista de que até o fim do ano a vacina contra covid estará liberada para crianças menores de cinco anos de idade e acima de seis meses.
“Acredito firmemente que sim. Há várias vacinas que já estão sendo preparadas para isso. Eu acho que é uma questão de tempo, a gente vai ter nossas crianças vacinadas também.”
Ela acredita que a tendência é o imunizante entrar para o calendário anual
obrigatório e lamenta as campanhas contra as vacinas mundo afora e a queda da proteção contra doenças infecciosas que estavam sob controle, algumas erradicadas do País.
“É um problema grande porque a cobertura vacinal está diminuindo muito nas
crianças. Já imaginaram voltar o vírus da poliomielite, paralisando crianças no Brasil de novo, sabendo que existe vacina super eficaz?”, questiona.