Terça-feira, 29 de abril de 2025
Por Redação O Sul | 3 de julho de 2017
No imprevisível e instável navegar da educação e do mercado de trabalho no Brasil, estudantes têm descoberto, do outro lado do oceano, um porto seguro para continuar sua qualificação. A terra à vista é Portugal. Dados de universidades do país mostram um aumento significativo e recente na busca de brasileiros por graduação e pós-graduação. Só no Consulado Geral de Portugal em São Paulo, por exemplo, o volume de pedidos de visto de estudante nos primeiros cinco meses de 2017 foi 148% maior do que o mesmo período de 2016. Já as solicitações de vistos de residência para estudos de mais de um ano aumentaram 320%.
No consulado, os números acompanham um crescimento na solicitação de vistos em geral: de 54% em 2016, face ao ano anterior. Neste período, o crescimento para vistos de estudante foi de 60% — e este tipo de autorização corresponde a 69% de todas as solicitações de visto.
As universidades reconhecem que um pontapé importante para este movimento foi uma mudança na legislação portuguesa que permitiu a candidatura de estrangeiros à graduação, e em consequência, uma progressiva incorporação da nota no Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) para ingresso em seus cursos. A primeira universidade portuguesa a aceitar o Enem no processo seletivo para brasileiros foi a Universidade de Coimbra, em 2014. Hoje, 22 instituições portuguesas permitem o procedimento.
Em Coimbra, o ano letivo de 2016-2017 registrou o maior número de brasileiros em licenciatura, mestrado e doutorado desde 2010: um total de 2.300 estudantes. No ano letivo de 2010-2011, esse número era de 1.176, e em 2015-2016, 2.174. A universidade destacou que o crescimento aconteceu mesmo diante da suspensão de instituições portuguesas do programa Ciência Sem Fronteiras, anunciada em 2013, sob argumento de que os brasileiros deveriam ser estimulados a aprender outros idiomas além do português.
Segundo André Botelheiro, coordenador de Comunicação da Universidade do Algarve, a instituição vê com bons olhos o crescimento da procura de brasileiros:
“O ambiente cosmopolita da universidade, em que a comunidade brasileira é a mais numerosa, ganha com o aumento do número de alunos do Brasil.”
Na Universidade do Porto, a presença dos brasileiros em seus cursos, seja via formações completas (chamados estudantes de grau) ou intercâmbios, também é marcante: nos últimos cinco anos, ela correspondeu a cerca de 40% do total de estudantes internacionais. Do ano letivo 2015-16 ao 2016-2017, o salto de matrículas de brasileiros aconteceu tanto entre os estudantes de grau (passando de 736 a 975 alunos, um aumento de 32%) quanto entre intercambistas (de 622 a 656, crescimento de 5%).
Pós-graduação
Os dados da Universidade do Porto revelam também que a maior parte dos estudantes de grau brasileiros está hoje na pós-graduação: enquanto há 204 na graduação, outros 386 fazem mestrado e 385, doutorado. Já a Universidade do Algarve, que tem 60 mestrandos e doutorandos brasileiros no atual ano letivo, espera que o valor chegue perto de cem no próximo.
Na próxima leva de estudantes brasileiros que chegará à Universidade do Porto para programas de pós-graduação está o casal de namorados Laís Said e Gustavo Ponzo, ambos de 25 anos. Eles vão cursar programas de mestrado na Faculdade de Engenharia a partir de setembro.
“Com certeza a crise influenciou na minha decisão. Acabei de me formar, e acredito que o mestrado poderá me alavancar profissionalmente. Mas o principal motivo mesmo é a segurança, a falta de qualidade de vida aqui no Rio”, aponta a jovem, que está empregada em uma consultoria de tecnologia da informação. “Para quem tem essa oportunidade, acho que ela tem um ótimo custo-benefício. A qualificação já pesa no currículo, ainda mais quando é feita fora.”
Laís destaca também outro atrativo: um desconto na universidade para estudantes brasileiros, que pode chegar a 50% da mensalidade.
Para a advogada Maria Helena Lessa, de 50 anos, que se prepara para cursar um doutorado na Universidade Autónoma de Lisboa a partir de julho, outro ponto positivo de estudar em Portugal é a duração desta formação no país. Se no Brasil, em média, um doutorado leva quatro anos, o programa que ela cursará dura três.
Para Tamara Naiz, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos, não se pode falar da migração de estudantes para Portugal sem tratar da falta de investimentos por aqui:
“Estamos sem perspectivas. Com o congelamento de gastos na educação, na ciência e tecnologia, vamos ter uma fuga de cérebros. Precisamos de incentivos para os pós-graduandos no Brasil, além de uma diversificação dos programas. Estas pessoas que estão indo para Portugal em boa parte têm objetivos mais profissionais: elas voltam para a universidade para melhorar a qualificação e depois retornam ao mercado. É preciso ampliar os perfis de pós-graduação”, aponta Tamara. (AG)